quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Esboço de uma retrospectiva


Penso muito em mim mesmo. Seja no ônibus, indo e voltando para casa, no longo e cansativo trânsito, ou andando pelo campus, sentado em sala de aula, refletindo sobre tudo que me cerca, tudo que me envolve, tudo que me inquieta, tudo que deveria ser ou não ser, ter ou não ter acontecido.
Penso sobre até onde cheguei, o que ganhei, o que produzi, o que poderia ser melhor ou pior. Nesse momento, sinto-me otimista em relação a muitas coisas.
Tenho percebido que hoje não me importo tanto com o que as pessoas vêem em mim. Sempre quero causar uma boa impressão, mas isso já não é tão fundamental. Também não me preocupo tanto em ser, ter ou parecer algo que seria bacana, socialmente falando, embora às vezes caio-me pensando nisso, tentando me adequar a uma ou outra regra, tentando ter algum tipo de valor para determinadas pessoas. E tenho aprendido a lidar com as figuras de autoridade, que tanto me intimidam.

Enfim, 2010 foi, até agora, o melhor ano da minha vida.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Macho e fêmea


“Quando você vê a foto, você já sabe: esse é o ativo e essa é a passiva.”
“Entendo o que você quer dizer, já passei por isso. Tive medo de ser enquadrado como o feminino da relação. E isso é uma babaquice.”
“Não precisava ter falado isso aqui, na frente deles, ninguém precisa saber. É algo nosso.”
“Até parece que ela vai querer alguma coisa com essa passiva aí, do lado dela.”
“Mas as coisas são assim, Rafael, você tem que aceitar.”
(falas aleatórias)

Algumas questões têm me interessado mais, me inquietado mais, como a questão do gênero, do que é masculino, do que é feminino.
“Como fugir da heteronormatividade se tudo que fazemos remete a ela?” Como e por que transgredir uma norma se a transgressão é uma referência e reiteração dessa mesma norma?
Presenciei algo interessante. E ao mesmo tempo triste. Dois amigos, que formam um casal gay, foram ao banheiro no momento que eu estava saindo. Um usou o mictório e outro preferiu a privacidade de usar o vaso sanitário, entrando na cabine. Embora todos finjam não perceber certas coisas, embora haja um silêncio coletivo e consentido em torno de certas questões, é fácil e ao mesmo tempo necessário (não sei por que) identificarmos o parceiro ativo e o passivo. Sempre categorizamos, embora nem sempre de modo acertado, o ‘macho’ e a ‘fêmea’ da relação. Aquele que usou o mictório provavelmente é o ‘macho’; afinal, o mictório foi feito para os ‘machos’. O que usou a cabine provavelmente é a ‘fêmea’. Mas o que me incomoda é o fato do ‘macho’ ter a liberdade de entrar no banheiro e escolher o mictório, enquanto que à ‘fêmea’ é reservado o espaço do sanitário, ao que parece, ou que a ‘fêmea’ não se sente à vontade de deixar seu pênis à vista. À vista do ‘macho’. Parece-me que a ‘fêmea’ não tem essa liberdade, aliás, essa indiferença, de mostrar, mesmo sem intenção, o órgão genital ao ‘macho’. E isso deve ocorrer tanto em relacionamentos hetero quanto homossexuais.
Isso me incomoda tanto... Por que agimos assim? Por que temos que pensar assim? Qual relacionamento não pode ser, de alguma forma e em algum grau, afetado por isso, influenciado por isso? E por que ser a ‘fêmea’ é encarado como algo indesejável, repulsivo? Essa lógica do macho e da fêmea pode ser a fonte de muitos problemas, conflitos, exclusões e injustiças nos relacionamentos? Por que sempre essa dualidade? Parece-me ridículo e estranho, mas ao mesmo tempo necessário e familiar.
Eu não entendo. E por não entender (menos ainda me entender) que eu continuo no meio dessa lógica, às voltas com ela. Como disse anteriormente, estou no limbo.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Guerra de carnes


Algo me dizia que você me olhava, mas preferi ignorar. E logo depois percebo o quanto você é atraente. Durante a discussão em grupo, nós dois em silêncio, deixei meus olhos escaparem e percorrerem seu corpo. E então aconteceu. Num desses momentos, nossos olhos se cruzaram. Mais uma vez vivencio a verdade e a timidez dos olhos. Essa troca durou alguns segundos, segundos suficientes para fazer o tempo parar e parecer que isso durou uma hora inteira. Num primeiro momento, pensei que houve apenas uma leve demonstração de desinteresse. Mas a sustentação do olhar, esse fio invisível, ao mesmo tempo firme e frágil, que atravessa as lentes dos meus óculos, o silêncio entre nós, algo, não sei o quê, mostrou que houve uma atração, mas é uma atração não admitida, envergonhada.
E então me dou conta de que estou no anúncio de uma guerra. Uma guerra da qual participei. Saí vivo dela, mas ferido. É uma guerra onde puritanismo e libertinagem se misturam de modo perigoso, ameaçador.

Malditos urubus. Todos em volta, conspirando. Suas asas eriçadas e bicos abertos, todos ameaçadores, prontos para atacar.

Mas ninguém é de ninguém, ainda mais nessa guerra. Mas eu sou da moda antiga, sou antiquado demais para essa realidade. E sou devagar: quando percebi, as cartas já estavam na mesa, o jogo já havia começado. Não quero entrar nessa guerra; contudo, deixo-me ser levado até o campo de batalha, as armas são colocadas em minhas mãos. Agora, é matar ou morrer.
Posso estar errado. Posso estar julgando essa realidade sob minha ótica possessiva e antiquada. Às vezes, fantasio demais. Mas não sou tão tolo a ponto de não saber que as táticas de guerra já foram traçadas.

Não posso negar que estou mais forte que da última vez. Mas não quero isso. Eu não quero essa guerra, não quero lutar.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

No limbo


Alguns autores da Psicologia, especialmente os da abordagem estruturalista, defendem que o indivíduo não consegue pensar e representar o mundo se não for através da lógica binária. É gordo ou magro, é alto ou baixo, é masculino ou feminino. Não há um meio termo para as coisas.
Mas me pergunto até que ponto isso é verdade. De fato, é assim que tudo se orienta à nossa volta. Mas e quando você não consegue se orientar apenas por essa lógica, quando não consegue se encaixar nela? Sabe aquela sensação estranha e incômoda de que você não vê apenas o 8 ou o 80? Isso é algo bom ou ruim? Talvez um pouco dos dois.
É bom porque você pode tirar proveito dessa análise vendo coisas que as outras pessoas não vêem. É ruim porque você não consegue se orientar, você se perde. Precisamos de um amparo por mais que ele seja deficiente e limitador. Nós precisamos de uma lógica, mesmo que ela seja excludente, perversa, estúpida.
Sem a lógica binária, eu me perco, mas não me contento em ser orientado por ela. E não consigo me ver nela. Não quero me enquadrar nela. Eu transito entre os pólos. Estou entre o gordo e o magro, o alto e o baixo, o masculino e o feminino. Sou um pouco de cada coisa e um pouco de tudo. Cada pólo tem suas regras. Regras que eu não respeito. Eu avanço os limites dos pólos. Vou de um a outro, ou então fico no meio, no limbo.
Parece que sou diferente. Ou não. O significado dessa minha incompatibilidade pode estar naquilo que é comum a todos nós: o ódio ou aversão ao que é diferente.

Mas o que devo fazer? Tentar me contentar com o que é comum, rejeitar de vez o diferente e assim me enquadrar? Ou seguir o caminho oposto, rejeitando o comum e abraçando o diferente? Acho que nem um nem outro. Não me adéquo a nenhuma dessas opções. Acho que minha sina é transitar, cambalear, entre esses dois caminhos.

Então continuarei assim, no limbo, transitando, cambaleando.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Sexo


“Quando paro, preciso pensar. Quando penso, preciso parar. Quando transo, preciso querer. Quando quero, preciso transar.” “Eutransoelatransa”, Kid Abelha.

Durante a noite embriagada, sou um cara que gosta de primeiro conversar com a pessoa, de conhecê-la, para só depois pensar em transar com ela.

Mentira.

Se primeiro converso, é porque não tem outro jeito. Afinal, o que todos querem da noite é sexo e não bater um papo. Todos nós adoramos fazer pose de sérios, de passar a imagem de diferentes, de ‘gente que vale à pena’. Nós não prestamos. E podemos ser piores jogando a culpa numa tal ‘sociedade’, que impõe a nós a norma do ‘faça-sexo’. Por mais que nos convencemos de que somos especiais, de que não somos fáceis ou fúteis, mesmo que usemos a estúpida frase ‘quero um relacionamento sério’, bem lá no fundo, o que queremos é gozar.

Vulgar demais?

Desculpe-me, caro leitor, e acredite: não sou muito disso. Sou um cara difícil, até. Nada me faz sair da minha toca.
Mas quando saio, não tem volta. E quando tem que acontecer, acontece, mas não posso falhar. E então vamos para a cama. E acho você uma droga. E acho que não sou bom de cama. E vejo que já está na hora de ir embora. E vejo que deveria ter ficado em casa. E que não vou sair outra vez, nem tão cedo.

Que droga. Acabou a criatividade. Estou com aquela mesma sensação que vem depois de transar.