sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Retorno

Já havia retornado há alguns dias. Não me dei conta. Voltei para algo que se perdeu. E estou aqui.
Abraço você. Sinto seu cheiro e seu carinho. Estou sob seu olhar de amor. Suas asas me envolvem, mas me sufocam, às vezes. Vim recuperar algo que deixei aqui. Acho que estou conseguindo. Precisei chegar tão longe para entender que o único caminho possível é o amor. Mas não sei direito o que ele é. Não sei amar como todos amam.
Eu preciso rever esse chão. Preciso rever minha história. Preciso rever as pessoas de quem fugi por tanto tempo (agora estou fugindo de outras). Olho para aqueles que não são mais “aqueles”. Eles mudaram e para melhor. Estão muito bem, obrigado. Sinto-me à altura deles. Ou pelo menos tento. Eu cresci, amadureci, sei quem sou e quem não sou. Quero olhar para vocês. Depois de tanto tempo... Arrependo-me amargamente daquela carta.
Voltei para algo bom. Mas há algo ruim, também. Algo espreitando, se revelando aos poucos. Controlando-me. Deparo-me outra vez com suas asas de amor, que me sufocam. Sinto raiva. Está fazendo com ele o mesmo que fez comigo. A culpa é sua, toda sua...
O pequeno mundo dá suas voltas e o inesperado acontece: “Não acredito que você está aqui!” Numa única noite: a chuva, você, seus beijos, a terra que desce, o louco da cidade e o telefonema da policial. Palavras doces e vazias, que às vezes ferem. Sei que alguém está mentindo. Não posso confiar em ninguém, mas eu falo demais, eu sei. E as asas ainda me sufocam. Não quero isso, mas eu gosto disso.
Bem-vindo à cidade do medo. Um lugar desabitado com olhos por toda parte. Um lugar de mentiras, de dor. Suas paredes são feitas de esperma... Essa é a minha cidade.
Mas ainda há amor nisso tudo. É por isso que estou aqui. Em meio a tanta escuridão, eu procuro essa luz que queima minhas mãos. Será que é isso mesmo que procuro?

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Palavras de ódio

“Isn’t it funny how we don’t speak the language of love?” “Misunderstood”, Robbie Williams.

Não conte comigo para seguir o rebanho. Não espere encontrar aqui, nesse dia de Natal, palavras vazias de fraternidade e amor. Que esse dia seja, paradoxalmente, um dia de denúncia. Denúncia de vozes que fazem sangrar, que matam. Vozes que proferem palavras de ódio.

Nesse ano, defenderam o assassinato de nordestinos. Trataram os muçulmanos franceses e sua cultura como se eles fossem uma ameaça. Mataram mais palestinos e israelenses. Espancaram homossexuais nas ruas. Universitários e instituições fazem manifestos declaradamente homofóbicos. Outdoors pelas ruas defendendo a “preservação da espécie humana” e dizendo que “Deus fez macho e fêmea”. Igreja inclusiva recebe constantes ameaças. Filhos ‘gayzinhos’ devem apanhar. Uma mulher é chamada de “pobre e preta” no avião. Projeto de lei que visa punir a discriminação de heterossexuais, os considerados “normais”. Defesa da homofobia no Twitter. Feministas são chamadas de feminazis. Mulheres são espancadas e assassinadas por seus companheiros. Grupo radical já matou oito homossexuais. Invasão do complexo do Alemão, o clamor da população por sangue, os direitos humanos indo pelo ralo, a rede Globo ganhando dinheiro e as milícias longe do foco, desfrutando seu poder invisível. E pessoas acham engraçado um neonazista abordar judeus e gays em festa.

Que esse Natal seja mais do que uma data para fingir que amamos incondicionalmente; que seja um dia para perceber quanto sangue está sendo derramado enquanto nos empanturramos, quanto ódio ainda é proferido, muitas vezes declarado, muitas vezes revestido de amor e hipocrisia. Que essas palavras de ódio sirvam como uma bofetada, que façam doer, que nos sensibilizem, mesmo que não nos digam respeito. Que essas palavras nos movam e nos impliquem a, de fato, amar.

Bom fim de ano.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Como esquecer?


“Lágrimas e chuva molham o vidro da janela, mas ninguém me vê...” “Lágrimas e chuva”, Kid Abelha.

Quero, pelo menos por um momento, esquecer tudo isso. Posso fingir que sou outra pessoa? Posso sair daqui e inventar outro mundo? A chuva despenca e eu também. Esse vazio repentino, essa tristeza, essa solidão, essa incompreensão. Essa coisa que não sei o que é, mas que me toca de tal forma que parece ser  algo corpóreo.
Deixe-me em paz, vá embora daqui. Sim, você, que não deveria ter aparecido, não deveria ter existido pra mim. Sem você tudo estava mais equilibrado. Quero que meu amor se transforme em indiferença, para que eu sofra menos. Não fuja, não fique em silêncio, indiferente comigo. Não pise no meu amor, não pise. Eu preciso dar meu amor para alguém. Vá embora, vá embora… É mentira, fique.

“We say goodbye in the pouring rain and I break down as you walk away… Stay, stay…” “Stay”, Hurts.

Essa coisa dolorida continua aqui, imensa, avassaladora, inominável. Mas, nos últimos minutos, nos últimos segundos, ela se retorce e se transforma em algo muito mais bizarro, muito pior: é quando me deparo com o que você realmente é. Talvez o único modo de te esquecer seja descobrir esse monstro doente que há em você. E, trêmulo, com o coração pulando, percebo que isso está acontecendo nesse exato momento.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

No limite da vontade


“Borderline... Feels like I'm going to lose my mind... You just keep on pushing my love... Over the borderline...” “Borderline”, Madonna.

Irei embora desse sonho. Não deixarei isso me enlouquecer, não esperarei por mais nada. O tempo que perco construindo castelos de areia poderia ser aproveitado para fazer castelos mais sólidos, mais fortes, mais visíveis, concretos, palpáveis. Sou uma criança tola.
Tento entender isso, por que crio coisas. E por que essas coisas me controlam. Estou no limite da vontade, da fantasia. Talvez eu necessite da cruel realidade para continuar caminhando, para continuar lutando.

Eu te procuro e não te acho. Espero para te ver, mas não te vejo. A noite desce e eu continuo aqui, te esperando. Mas você não vem. E se não vem, é porque não me quer. Se não me quer, então não há motivos para você fazer parte desse sentimento. Nessas horas eu sinto raiva. Preciso esquecer você.

Mas volto atrás e digo venha, só mais uma vez, eu peço, venha. Porém sinto que o fio se rompeu de vez, sinto que o medo nos matou. E fingimos que tudo está como sempre foi, que algo não pulsa, não grita dentro de nós. Nossa mentira nos destruiu e nem parece.
Sim, isso passará, esse lugar passará, nós passaremos. Essa história será apenas mais uma história, só mais uma boba nostalgia. Mas o arrependimento de nunca ter tentado algo permanecerá.

Isso tudo me enlouquece.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Confissões noturnas II


“I’ve been waiting... I’m still waiting...” “One step too far”, Dido & Faithless.

Ele puxou meu braço para me levar dali. Eu não queria ir, queria ficar ali, olhando para o outro, apenas olhando. Mas o que vi foi apenas suas costas se afastando de mim, como se ele não se importasse, como se minha ida não fizesse diferença. E não fazia.

“Seus amigos são muito enrolados.”

A noite mais uma vez me revela seus segredos gritantes, seus medos intensos, sua face grotesca. Mas não há o que temer senão nosso próprio medo. Não há o que temer senão a nós mesmos.

“Eu queria muito pegar aquela mulher.”

Ele acredita tanto nessa mentira que chega a ser engraçado. Não é engraçado. Isso dói, isso dói muito. Todos viram, todos sabem, até seus amigos. Todos falam dele, riem dele. Eu observo. Observo porque não sei o que fazer, não sei como agir, se é que devo agir. Durante longo tempo, ouço sua voz ao pé do meu ouvido, deliciando-me e ao mesmo tempo aturando suas mentiras, fingindo que não há nada de errado ali. Puro masoquismo. Mas já estou me cansando. Se você não se importa com o que eu sinto, pelo menos se importe com você mesmo. Esse seu cinismo, esse fingimento... Isso já está me irritando.

“Nós três fomos numa casa de swing. E vi um comendo o outro.”

Quando ele percebeu que havia algo errado, falou por mim. Não precisei confessar nada, ele foi esperto o suficiente para entender que eu não poderia continuar; aliás, eu não conseguia continuar.

“Tem boi na linha, não é?”

Estava tão bêbado que não lembro como cheguei à seguinte sentença:

“Tudo é uma mentira.”

Foi como uma sentença de morte. Forte o bastante para ele dizer qualquer coisa que me soou arrogante; ele foi embora, deixando-me ali, sozinho, na escuridão. Não havia ninguém. Durante a noite toda não havia ninguém.
Mas é melhor que as coisas sejam assim. Não sinta pena de mim, não sou um pobre coitado. Mas eu não mereço você.

“Aconteceu quando eu tinha nove anos.”

Eu coloquei a mão sobre a cicatriz. Era lisa e fria. Imaginei as outras cicatrizes, aquelas invisíveis para ele e evidentes para mim.
A bebida acabara e eu precisava de mais. Precisava falar com aquele professor bacana, precisava entrar em coma. Precisava agarrar alguém. Precisava morrer.

“Tô apaixonado por esse cara.”

Fiquei parado e ela não sabia se ria ou se abraçava. Era um daqueles momentos em que a música pára, o tempo pára, tudo pára. Sou um idiota. Deus, eu sou um idiota.

“Ele não veio porque estava com medo.”

Sei bem o que é esse medo. Olhe para toda essa gente. Veja quanto medo temos aqui.

“E então ele insinuou que queria se masturbar comigo.”

As verdades que só vêm à tona com a força da noite e do álcool. O desejo que flui, que atravessa as entrelinhas das palavras e do medo, que passa despercebido entre as pessoas, oculto pela escuridão da noite. O desejo que só alguns tocam. O desejo que é rejeitado, ridicularizado, debochado. Mas, acima de tudo, o desejo que é desejado.

“Obrigado, cara.”

Obrigado pelo quê? Foi um agradecimento estranho, profundo. Quando nos abraçamos, desejei intensamente que o tempo parasse mais uma vez. Preferi continuar ouvindo suas mentiras perto do ouvido do que vê-lo ir embora, de não ter tido a chance de...

“Você só se interessa por gente mal resolvida.”

Confesse. Por favor, confesse.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Não quero saber o que você acha


Há pessoas que são a personificação da arrogância. Arrogância do senso comum, do olhar preconceituoso, pontual, utilitarista, ingênuo.
Defender com emoção a ação policial nas comunidades do Rio de Janeiro, por exemplo, é desconhecer a real intenção por trás dessa ação, é ignorar o contexto no qual bandidos, favelados e policiais são apenas novos personagens de uma longa história de exclusão e genocídio. Defender a chacina de marginais, a política de segurança do “olho por olho, dente por dente”, é não entender que essa ação desesperada e simplista esconde o fato, por exemplo, de que o crime organizado não está nas favelas. Está dentro do Estado.
Não estou aqui para abrir mais um debate infernal na internet, com dezenas de imbecis aumentando a fogueira com seus ‘achismos’ e discursos genocidas. Estou aqui para apontar para a evidência de que as pessoas simplesmente falam daquilo que não sabem. Sequer leram alguma coisa a respeito. E se alguém apresenta um argumento, mesmo que embasado, que contrarie toda essa paranóia social, é duramente reprimido. A lógica cai por terra e prevalece o irracional, o discurso do medo, o discurso do “tem que matar”. O medo se alia ao senso comum.

E se alguém quiser deixar aqui sua opinião a respeito da situação do Rio – concordando ou discordando de mim –, já vou deixando o seguinte recado: Vá para a puta que te pariu.