sexta-feira, 30 de abril de 2010

Você me tem fácil demais


Ela subiu ao palco com seu belo vestido e suas belas pernas. Sempre elegante, sempre jovem.  Ela é um paradoxo: tímida e ousada. Desengonçada, o que a deixa mais bonita. Por acidente, a calcinha apareceu duas vezes. Mas até suas gafes são um encanto. Começou com “Meu amor se mudou pra lua”. E logo vimos toda sua história ser contada e cantada a nós, mais uma vez, de modo sublime.
É uma voz que não sei explicar. Só sei sentir. Eu não ouço essa voz, eu a sinto. Essa voz revela um misto de amor com paixão, com verdade, com alegria, com dor. Digo o mesmo de suas palavras.
Doce, delicada, atrevida, pornográfica. Ela é um livro aberto, mas é um mistério. Um evidente mistério.
Paula, você me tem fácil demais.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Quanto tempo, quanta alegria, quanta dor

Criaram um perfil, no Orkut, da escola onde fiz o Ensino Médio, com fotos de várias turmas, de diferentes épocas. Vi antigos colegas de sala, antigos professores, os lugares, as festas, os eventos... Tantas lembranças me vieram à cabeça. Tanta coisa que seria impossível contar aqui, mas que, paradoxalmente, parecem comprimidas em um único dia. Todo esse passado me aparece como um dia divertido, que se foi.
Eu reparei que não apareci em nenhuma foto. Nenhuma. Não foi erro ou maldade de quem organizou as fotos, eu realmente não saí em nenhuma. Essas lembranças fazem parte de mim; mas, sem fotos, é como se essas lembranças não fossem minhas, ou como se elas não existissem. Eu passei por aquela escola, por aquelas pessoas, por aquelas salas e corredores e não deixei nenhum registro disso. Diante dessa evidência, a morte vazia voltou a me assombrar.
Eu fiquei feliz por lembrar o passado, por lembrar tudo... Mas, da mesma forma que o passado me traz alegria, ele me traz dor. Por que não houve o registro de minha pessoa? Eu sei por quê. Eu estava tão escondido de tudo, de todos e de mim mesmo... Estava tão oprimido, tão perdido. Eu estava condenado. Se eu tivesse, naquela época, a cabeça que tenho agora... Se tivesse não a maturidade, mas a consciência, de que tudo poderia ser diferente, talvez eu tivesse mais coisas boas para me lembrar, e me lembraria sem dor, me sentiria apenas nostálgico.
Tudo poderia ter sido diferente... Mas agora só me restam o passado com sua dor e a tentativa de tornar o presente e o futuro um pouco melhores.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Os verdadeiros monstros


Era madrugada, o sono não vinha e eu resolvi ver uns vídeos no Youtube. Como diz o velho ditado, mente vazia é morada do diabo. Ao invés de ler Foucault (o que tornaria minhas horas de sono perdidas nem tão perdidas), resolvi assistir alguns vídeos do patético Sr. Silas Malafaia.
Talvez ‘patético’ seja uma palavra inadequada para descrevê-lo. Entendo uma pessoa patética como alguém que não merece e nem é levado a sério. Malafaia, ao contrário, é muito levado a sério. As atrocidades que ele faz e diz são levadas a sério. Aplaudidas. Respeitadas e reproduzidas. Uma verdadeira exaltação a um nazismo dito cristão.
Num debate sobre a lei que criminaliza a homofobia, Malafaia faz uso de argumentos pretensiosamente científicos, muito bem manipulados, de forma a esconder um embasamento puramente ideológico (religioso) e moral, aliás, moralista. Faz uso de uma imagem deturpada dos homossexuais para desqualificá-los como portadores de direitos civis e ainda faz a ridícula afirmação de que essa minoria não merece atenção do Estado uma vez que há outras pessoas que precisam de ‘mais’ atenção. O pastor e psicólogo (que lástima; onde está o Conselho Federal de Psicologia?) se refere sempre aos homossexuais como “eles”, inicia frases com “eles querem” ou “eles pretendem”, algumas vezes usa as palavras “segredo”, “disfarçado” e “sutil”: é a clara paranóia cristão-evangélica fundamentalista, de que todos os homossexuais do mundo estão unidos, conspirando contra o mundo heterossexual, planejando destruir a espécie humana. Sim, é nessa baboseira que muitos acreditam.
Na visão de algumas pessoas, representadas pela figura de líderes religiosos como Malafaia, os homossexuais querem “super-direitos”, como se querer casar e ter filhos não o fossem para os heterossexuais. Malafaia defende que os homossexuais ou, de maneira geral, os LGBT’s, não merecem esses direitos, com base na crença de que eles são uma ameaça. Claro que, como disse anteriormente, a questão principal não é a ameaça à família ou qualquer outra coisa, mas sim que ‘homossexualismo é pecado’. No fundo de tudo isso, de todo esse ódio que não se reconhece como ódio, de toda essa campanha, essa guerra, esse movimento nazista cristão, está uma crença, um modo de pensar que pretende se impor (e se impõe) como único e legítimo. O preconceito da sociedade se torna um grande aliado. E para que esse ódio não seja revelado, ele se mascara de amor, santidade e até de democracia. Malafaia acredita que é democracia fazer o que faz. Ele é um monstro.
Precisamos despir o véu de santidade e bondade desses discursos. O que líderes como Malafaia fazem é pura crueldade.

Eu tenho uma hipótese a respeito da religião evangélica e seus líderes. Os grandes líderes, os chefes dos grandes ministérios evangélicos, como Silas Malafaia, Edir Macedo, entre outros, são os ‘menos cristãos’ entre seu povo. Acredito que, ironicamente, os grandes líderes são os grandes falsos, os grandes hipócritas, os que menos seguem ou respeitam as leis ditas sagradas. Macedo, por exemplo, é um homem muitíssimo inteligente (todos eles são); não é possível que esses grandes líderes não conheçam as contradições e erros da bíblia. Não é possível que eles não saibam e não entendam como a bíblia pode ser utilizada, por exemplo, para subjugar mulheres, negros e até crianças. Não é possível que eles não reconheçam na bíblia um enorme poder de destruição. É a partir daí que acredito que, por trás dessa ‘fé’, está o desejo de exercer poder. Um poder que enriquece. A Central Gospel do Brasil, empresa de Malafaia, é uma das que mais crescem no ramo. A Igreja Universal do Reino de Deus, fundada por Macedo, e o vasto império em torno dessa instituição, representam hoje uma potência econômica. Acredito que essa seja a verdadeira conspiração: não parece haver o uso, por parte de algumas pessoas muito inteligentes e sem escrúpulos, de um ódio que se baseia na ignorância das massas e de um livro que, além de fonte de riqueza, é uma excelente ferramenta de dominação e controle?

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Rio de Tragédias


Aulas suspensas, comércios fechados, lixo pela rua, enchentes, carros arrastados, deslizamentos, assaltos, arrastões, comércio fechado, mortes. Mais de cento e cinqüenta mortes por conta das chuvas. Foi declarado estado de emergência. E ainda podemos esperar epidemia-de-alguma-coisa a qualquer momento. O caos impera.
O Rio de Janeiro está agonizando. A forte chuva que assola a cidade não tirou folga e a previsão é de que ela continue a causar estragos. Numa manhã, o sol tentou nos mostrar que ainda existe, mas logo foi novamente sufocado pelo céu sombrio, num aviso de que o pior estava por vir. Na noite seguinte, quase metade de uma comunidade veio abaixo, num deslizamento.
O único aperto que passei com essa chuva foi na segunda, o primeiro dia das tragédias. Levei seis horas para chegar em casa porque não estava passando ônibus no local onde estava, a Ilha Maldita (o nome do lugar, na verdade, é Ilha do Fundão, mas eu prefiro usar um nome que descreva melhor esse lugar). Agora não posso sair de casa porque, além da forte chuva, estão ocorrendo arrastões aqui perto.
Apesar de assustado com o que está acontecendo, estou feliz de estar em casa (embora essa não seja realmente minha casa). Sinto-me seguro. Os dias andam tão loucos que não há tempo para dar uma pausa. Torço para que meus conhecidos também estejam em segurança.

Nova notícia particular: declarei trégua à minha mãe e guerra ao meu pai. Não, não vai começar tudo de novo. Acho que agora a coisa é séria. Muito séria.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Um país de idiotas

Apesar de não ter tempo nem paciência para acompanhar o BBB 10, fiz questão de me inteirar da atuação de alguns participantes e assistir a última eliminatória, a que deu ao participante Dourado o grande prêmio de 1,5 milhão.
Durante essa edição do programa, houve uma verdadeira batalha virtual. De um lado, pessoas ligadas ao movimento LGBT, ou apenas simpatizantes, postavam, em centenas de páginas e blogs, mensagens defendendo a eliminação do ‘homofóbico’ Dourado; de outro, pessoas que defendiam sua franqueza, atitude e honra. Segundo o que ouvi por aí, Dourado foi o vencedor por ter sido ele mesmo durante o jogo, por ter sido franco, ainda que grosseiramente franco. Só por isso?
Dourado foi homofóbico ou não? Talvez o termo homofobia, por sua etimologia e seu forte uso político, seja inadequado para definir a postura do participante. Além disso – e aqui entra o X da questão –, as coisas que ele fez e disse, que muitos chamam de homofobia, não são encaradas como tal. Dizer coisas como “tenho nojo de ver dois homens se beijando” não são vistas como manifestação de preconceito. O que não significa que elas não sejam. As afirmações homofóbicas de Dourado foram sutis. Em nenhum momento ele disse “odeio gays” (e nem acredito que ele odeie); o preconceito se manifestou de forma bastante tangencial, em atitudes, olhares, gestos e afirmações como “heterossexuais não contraem AIDS”. Um preconceito implícito, o mesmo praticado por grande parte da população que o elegeu seu herói.
Alegar que a postura do participante não é preconceituosa é olhar para essa questão de dentro da norma, mais especificamente, de dentro da heteronormatividade. Alguns podem dizer que ele só não queria ser confundido com um homossexual. Se isso não é preconceito, então não sei o que é. Por que tememos ser confundidos com homossexuais? O que está por trás disso? Outros podem dizer que sua afirmativa de que heterossexuais não contraem AIDS não foi preconceituosa porque se baseou na informação de outra pessoa, no caso, um médico. Argumento que também não se sustenta, pois ele fez uso de uma informação (falsa) para reafirmar uma postura preconceituosa. Ele não reprovou a relação homossexual porque ela contrai AIDS; ‘essa relação contrai AIDS’ é um dado que serve para reafirmar sua reprovação, que é pré-existente, anterior ao dado. O preconceito, como o próprio nome sugere, vem antes da informação.
O que é mais lamentável não é a vitória de Dourado, mas sim o que isso representa. Na avaliação do público, a homofobia foi minimizada ou descartada. Não teve peso nos votos. Dourado foi sincero, sempre dizia o que pensava. Tinha atitude. Isso é louvável. E foi isso que o tornou o favorito. Mas seu preconceito em relação aos homossexuais não foi importante. Dessa forma, o público aprovou, legitimou, o preconceito contra os gays. Se ele tivesse feito declarações igualmente sutis em relação aos negros, por exemplo, ele seria a bola da vez? Não. O preconceito de cor, ao contrário do preconceito sexual, é socialmente reprovável. Piada de ‘preto’ é engraçada? Não. Piada de ‘viado’ é engraçada? Sim. Este é um preconceito que ainda é aceito, valorizado e reproduzido no meio social. A vitória de Dourado é uma clara representação do modo de pensar brasileiro em relação à diversidade sexual: conservador, preconceituoso, discriminatório.
E não é só isso. A vitória de Dourado não é apenas a reafirmação da heteronormatividade e do preconceito sexual, mas também a reafirmação da supremacia masculina estereotipada e, conseqüentemente, a subjugação do feminino. Dourado é um reflexo daquilo que é imposto a todos na sociedade, tanto homens quanto mulheres: a valorização de um conjunto de características ditas masculinas, viris, ativas, ‘racionais’. É a reafirmação da hierarquia de gênero, tão desigual, dicotômica e fonte de violência.
Confesso que o resultado da última eliminatória do BBB é desanimador. Vivemos realmente em um país atrasado e estúpido. Um país de idiotas. Estamos a anos-luz de distância de uma sociedade brasileira que almeje, de verdade, a igualdade e o respeito às diferenças. Qual é a solução? Abandonar esse país de uma vez por todas?