quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Canto emblemático


Uma letra que resume todas as confissões
Cantadas pelo Kid
Uma história, uma promessa
Aquela que é entoada sempre
De modo sutil e explícito
Misterioso e revelador
Com poucas palavras, dizendo tudo...
Tudo deles
Tudo de nós...

“Sempre vai haver uma canção
Contando tudo de mim
Sempre vai haver uma voz
Cantando tudo
Tudo de nós”

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Para nós


Passei por lugares que me lembram amores presentes, passados e pendentes. Não escolhi ao acaso, não fiz trilhas ao acaso. E os passos que dei não foram apenas para recordar ou reviver. Foram para entender, para elaborar. Eu caminhei porque precisava ser, mesmo que não eu mesmo.
Para ti, para nós. Estou aqui outra vez, de mãos dadas com alguém, com outra cabeça, outra história, outro tempo. Mas tudo ainda precisa de resposta. Esse lugar tem um ranço de algo estranhamente vivido e mal saboreado. É curioso perceber como as coisas se repetem num mesmo lugar, estando fisicamente presente ou não. Esse lugar me marcou, de alguma forma. Esse lugar diz muito de algo que falta. Mas o amor tentou, eu tentei.
E hoje vejo que minha alma, a despeito daquelas que passaram por mim, deixando suas marcas em certas paredes, ruas, igrejas e casas, segue ainda saudosa. Uma dessas vidas vai para longe, indiferente de uma dessas histórias, criada à distância, não intencionada. Ela se vai, tecendo outras histórias, enriquecendo com elas, enquanto eu permaneço por aqui, também trilhando meus caminhos, no intuito de repetir ou recriar passos, como uma forma de restaurar o que não há para ser restaurado, para reviver o que nunca se deu.

É a indiferença do partir que faz doer.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Lamento em São Bernardo

De longe em longe, sento-me fadigado e escrevo uma linha. Digo em voz baixa:
-- Estraguei minha vida, estraguei-a estupidamente.
A agitação diminui.
-- Estraguei a minha vida estupidamente.
Penso em Madalena com insistência. Se fosse possível recomeçarmos... Para que enganar-me? Se fosse possível recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu. Não consigo modificar-me, é o que mais me aflige.
(...)
Para ser franco, declaro que esses infelizes não me inspiram simpatia. Lastimo a situação em que se acham, reconheço ter contribuído para isso mas não vou além. Estamos tão separados! A princípio estávamos juntos, mas esta desgraçada profissão nos distanciou.
Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. Os sentimentos e os propósitos esbarraram com a minha brutalidade e o meu egoísmo.
Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão ruins.
(...)
É horrível! Se aparecesse alguém... estão todos dormindo.
(...)
E eu vou ficar aqui, às escuras, até não sei que horas, até que, morto de fadiga, encoste a cabeça à mesa e descanse uns minutos.

“São Bernardo”, de Graciliano Ramos.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Sequência poética

reverso ou não, a poesia e os garfos se colocam
quando por palavras necessitamos de tudo.
quando tudo nos falta
quando tudo nos detém
em instante tudo nos retém.
instável, todo amor que nunca há.
quando todo mar,
então a poesia nos coloca a todos sem palavras e
sem história literária,
sem amor e sem elaboração formal, sem sexo nas
manhãs.
absolutamente sem elaboração de alguma forma.
a poesia nunca terá forma como o que se leva do
sexo jamais é uma forma.
como o que se vive em amor não tem forma.
a poesia é sempre em quando impreciso mas
totalmente necessário.
e assim nunca se toca.

“a sequência de todos os passos”, de Alexandre Moraes.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

As cartas de Bethânia


Todas as cartas de amor são ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras, ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso cartas de amor ridículas.
Afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor,
É que são ridículas.

Porém não tive coragem de abrir a mensagem
Porque, na incerteza, eu meditava
Dizia: “será de alegria, será de tristeza?”
Quanta verdade tristonha
Ou mentira risonha uma carta nos traz
E assim pensando, rasguei sua carta e queimei
Para não sofrer mais

Quanto a mim o amor passou
Eu só lhe peço que não faça como gente vulgar
E não me volte a cara quando passa por si
Nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor
Fiquemos um perante o outro
Como dois conhecidos desde a infância
Que se amaram um pouco quando meninos
Embora na vida adulta sigam outras afeições
Conserva-nos, caminho da alma, a memória de seu amor antigo e inútil.

“Cartas de amor”, de Maria Bethânia.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Permanecendo II


Hoje desejei como nunca jogar seu presente fora. Nunca teve muita utilidade, mas sabia que isso não faria diferença alguma, eu não esqueceria. Significaria apenas um ato simbólico, que mascararia a realidade, colocaria um véu sobre aquilo que não se deu.

“Um amor assim delicado
Você pega e despreza
Não devia ter despertado
Ajoelha e não reza”
“Queixa”, Caetano Veloso.

Desculpe, estou triste e entediado, sem vontade para nada. Como é possível não querer mais ver quem você mais quer ver? Aquela foto me deixou tão chateado. Você não precisa de mim, nunca precisou. Mas eu preciso imensamente de você.
Será que você conta as mesmas histórias para ele? Será que se faz de tímido para conseguir o que quer? Com certeza ele é bem melhor do que eu; caso contrário, a história não seria essa. Eu não estaria aqui, imóvel, observando e retorcendo a ferida.

“Baby, you're where dreams go to die
I regret the day your lovely carcass caught my eye
Baby, you're where dreams go to die
I've gotta to get away
I don't want to
But I have to try, oh baby”
“Where Dreams Go To Die”, John Grant.

Já sei o que o mundo tem a dizer a respeito. Você precisa se valorizar mais, blá blá blá. Todavia, mesmo cobrindo-me de ouro, ficará sempre aquela tristeza de um carinho não correspondido, ficará sempre aquela pergunta, “onde foi que errei?”. Permanecerá o prazer não realizado, a vontade abandonada, alguma coisa que nem existiu e já foi rejeitada, talvez por algo melhor.
Quero acabar com isso, quero acabar com tudo. E não quero parecer vulgar. Por isso fico aqui, em silêncio, tentando não incomodar, não querendo ver, mas vendo, e pensando em respirar outros ares, conhecer gente, deixar o tempo passar e torcer para não morrer enquanto isso tudo se vai.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O amor segundo Érico Veríssimo


Clarissa fecha a porta.
Melhor não acender a luz, para não quebrar o encantamento. Vai até a janela. A lua cheia sobre Jacarecanga. A rua quieta. Uma corneta tocando longe, num quartel. A presença silenciosa das estrelas. Cachorros uivando. Gatos cantando.
Oh! A noite enorme. E o silêncio fundo que de quando em quando se faz quando os galos e os cachorros se calam, quando todas as vozes morrem, quando nenhuma folha se move.
Clarissa encosta a cabeça na vidraça e fica olhando a rua.
Aos poucos vai percebendo um sonido, leve, leve, fugidio, fluído como o luar. Ilusão? Sim, deve ser ilusão. Mas não, agora de novo vêm até seus ouvidos os mesmos sons doces, que se apagam e acendem como as estrelas. Deve ser uma serenata. Clarissa escuta...
Lá na esquina surge um vulto familiar. O coração de Clarissa começa a bater, a bater, a bater com mais força, na expectativa dum grande acontecimento. O vulto se aproxima, vem vindo devagar na direção da casa dos Albuquerques, vem crescendo, vem se definindo. Não há mais dúvida. É ele. O Gato Orgulhoso, o gato selvagem que anda sozinho por todos os caminhos da terra, sem lei, sem amigos, sem rumo. Daqui a poucos instantes ele passará sob a janela.
(...)
A serenata continua, distante... Música ao longe...
De repente Clarissa tem a grande revelação. Encolhe-se transida, contente e ao mesmo tempo aflita, vendo pela primeira vez com clareza o que apenas vislumbrava duma maneira vaga, apagada, tímida.
A serenata dissolve-se na noite. Funde-se com o luar.
Mas o vulto familiar vai crescendo. Já se ouve o ruído de seus passos. Vasco se aproxima da janela, pára, ergue a cabeça.
– Alô Clarissa!
Ela sorri, baixa os olhos, quer dizer alguma coisa mas não consegue falar.

“Música ao longe”, de Érico Veríssimo.

sábado, 27 de outubro de 2012

O abraço de Proulx


A coisa de que Jack se lembrava e com que sonhava de uma forma que não conseguia evitar nem entender era a vez, naquele verão distante na Brokeback, em que Ennis chegara por trás e o puxara para junto dele, o braço mudo satisfazendo alguma fome compartilhada e assexuada.
Eles haviam ficado daquele jeito muito tempo diante do fogo, que ardia lançando reflexos vermelhos de luz, a sombra de corpos, uma coluna única na pedra. Ouvia-se o tique-taque dos minutos no relógio redondo no bolso de Ennis, dos gravetos virando carvão no fogo. Estrelas atravessavam as camadas de calor onduladas em cima do fogo. A respiração de Ennis saiu lenta e calma, ele gemeu, balançou um pouco no clarão e Jack encostou-se no palpitar regular do coração, as vibrações do gemido como uma eletricidade fraca, e, em pé, pegou um sono que não era sono mas outra coisa sonolenta e hipnótica até que Ennis, desencavado uma expressão enferrujada mas ainda conveniente de sua infância antes de perder a mãe, disse:
– Hora de ir para a cama, garoto. Já vou indo. Vamos, você está dormindo em pé feito um cavalo – e deu uma sacudida em Jack, um empurrão e foi-se embora na noite. Jack ouviu o barulho de suas esporas quando ele montou, as palavras “até amanhã”, e o bufar do cavalo, atrito do casco na pedra.
Mais tarde, aquele abraço sonolento consolidou-se em sua memória como o único momento de felicidade natural encantada em suas vidas separadas e difíceis. Nada estragava aquilo, nem mesmo o entendimento de que Ennis então não o abraçaria de frente porque não queria ver nem sentir que era Jack que tinha nos braços. E talvez, achava, nunca passassem muito daquilo. Que seja, que seja.

“O Segredo de Brokeback Mountain”, de Annie Proulx.