Ninguém imagina que,
caminhando cabisbaixo por essas ruas sujas, tantos pensamentos atravessam minha
cabeça. Dói, às vezes. Sinto que falta algo, que há uma falha irreparável, pois
a criança, aquela criança, ainda está viva.
Acho curioso que o único
momento que não estou assim é quando estou atendendo. Quando estou aberto para
o outro, para as trevas do outro, as minhas se recolhem. Espanta-me essa
capacidade (involuntária) de me desligar de mim mesmo nesse momento. É como se
eu não existisse; é como se o espaço dentro de mim se preenchesse do outro para
então esse outro sair diferente. Mas logo a sessão acaba e tudo recomeça.
Em meu hábito grosseiro de autoanálise,
faço as relações, as construções, as hipóteses dos muitos mistérios dentro de
mim e que me assombram. “Que mania de interpretar”, ela disse. É verdade. Isso
dá uma segurança. Mas só isso não é suficiente.
Ultimamente, venho tendo
muita vontade de falar. Falar de muitas formas, mas sempre envolvendo uma ação,
uma autoridade, um protagonismo. Numa análise, numa atuação, nos estudos e no
trabalho. Em tudo. Sinto que preciso falar e na verdade estou sendo convocado a
isso. Mas o medo me assola. Numa conversa com uma amiga, percebo que minha vida
transita em torno do medo. Medo de tudo, de mim mesmo, de minha vontade
inconsciente de me punir por querer falar. Parece haver tanto ódio que, nos
últimos dias, uma ferida se abriu em minha língua, quase me impossibilitando de
falar. Mais uma vez um acontecimento estranho, bizarro, sofrido e
inconveniente, (quase) capaz de me fazer parar. Parar de falar, de agir, de
conseguir. Por que isso acontece, meu deus, por quê?
Preciso continuar, mas às
vezes sinto que essa é uma luta injusta. Lutar contra mim mesmo parece ser uma
luta perdida. Não há como vencer.
A
tristeza também me silencia. Há silêncio agora. Muito silêncio.