sexta-feira, 22 de junho de 2012

Sobre a necessidade de falar

Ninguém imagina que, caminhando cabisbaixo por essas ruas sujas, tantos pensamentos atravessam minha cabeça. Dói, às vezes. Sinto que falta algo, que há uma falha irreparável, pois a criança, aquela criança, ainda está viva.

Acho curioso que o único momento que não estou assim é quando estou atendendo. Quando estou aberto para o outro, para as trevas do outro, as minhas se recolhem. Espanta-me essa capacidade (involuntária) de me desligar de mim mesmo nesse momento. É como se eu não existisse; é como se o espaço dentro de mim se preenchesse do outro para então esse outro sair diferente. Mas logo a sessão acaba e tudo recomeça.

Em meu hábito grosseiro de autoanálise, faço as relações, as construções, as hipóteses dos muitos mistérios dentro de mim e que me assombram. “Que mania de interpretar”, ela disse. É verdade. Isso dá uma segurança. Mas só isso não é suficiente.

Ultimamente, venho tendo muita vontade de falar. Falar de muitas formas, mas sempre envolvendo uma ação, uma autoridade, um protagonismo. Numa análise, numa atuação, nos estudos e no trabalho. Em tudo. Sinto que preciso falar e na verdade estou sendo convocado a isso. Mas o medo me assola. Numa conversa com uma amiga, percebo que minha vida transita em torno do medo. Medo de tudo, de mim mesmo, de minha vontade inconsciente de me punir por querer falar. Parece haver tanto ódio que, nos últimos dias, uma ferida se abriu em minha língua, quase me impossibilitando de falar. Mais uma vez um acontecimento estranho, bizarro, sofrido e inconveniente, (quase) capaz de me fazer parar. Parar de falar, de agir, de conseguir. Por que isso acontece, meu deus, por quê?

Preciso continuar, mas às vezes sinto que essa é uma luta injusta. Lutar contra mim mesmo parece ser uma luta perdida. Não há como vencer.

A tristeza também me silencia. Há silêncio agora. Muito silêncio.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

A flor de Orwell

Caminhava mais ou menos da direção de casa. Ergueu os olhos para os prédios pelos quais passava. Nem conhecia aquela rua. Casas antigas, feias e escuras, quase todas subdivididas em apartamentos minúsculos e quartos isolados. Terrenos cercados, tijolos enegrecidos pela fuligem, degraus caiados, cortinas sujas de renda. Cartazes anunciando “apartamentos” em metade das janelas, aspidistras em quase todas. Uma típica rua de classe média baixa. Mas não o tipo de rua que ele gostaria de ver arrasada por um bombardeio.
Perguntou-se como seriam as pessoas daquelas casas. Seriam, quem sabe, pequenos funcionários, vendedores de loja, caixeiros-viajantes, corretores de seguros, condutores de bonde. Será que sabiam que não passavam de marionetes prontas a dançar assim que o dinheiro puxasse os cordões? Pode apostar que não. E, se soubessem, que diferença faria? Estavam ocupados demais em nascer, casar, gerar filhos, trabalhar, morrer. Não devia ser má ideia, se você conseguisse, sentir-se como um deles, como mais um na multidão dos homens. Nossa civilização está fundada na cobiça e no medo, mas na vida dos homens comuns, o medo e a cobiça transmutam-se misteriosamente em algo mais nobre. Os membros da classe média baixa que ali viviam, por trás de suas cortinas de renda, com seus filhos, seus móveis descombinados e suas aspidistras – viviam de acordo com o código do dinheiro, claro, mas ainda assim conseguiam manter-se decentes. O código do dinheiro, da maneira como o interpretavam, não era só cínico e implacável. Eles tinham seus padrões, seus pontos de honra invioláveis. “Mantinham-se respeitáveis” – mantinham suas aspidistras hasteadas. Além disso, estavam vivos. Presos ao embrulho da vida. Geravam filhos, o que os santos e os salvadores de almas nunca têm a oportunidade de fazer.
A aspidistra é a árvore da vida, concluiu ele de repente.

“A Flor da Inglaterra”, de George Orwell.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Inibido

Sento-me desconfortável à mesa. Isso não está fluindo. As pessoas são interessantes, inteligentes e bonitas. Mas não está fluindo. Continuo desconfortável, sou como um ornitorrinco tomando banho em público. Bizarro. E acabo metendo os pés pelas mãos.

Mas é interessante como algumas pessoas tentam fingir alguma coisa e não conseguem. Outras não fingem ser, pois são, e tudo flui naturalmente. E eu fico no meio termo, nesse meio caminho entre o fingir e o ser de fato. Desse lugar incômodo, pelo menos posso contemplar os dois lados, os dois extremos. Mas preciso ficar com a boca fechada.

Ah, por favor, não falem de Artes agora. Artes com letra maiúscula porque não é qualquer merda. Tenho sensibilidade, mas ela é tosca, é grosseira. Vejo um quadro, sinto algo, mas não sei o que é. O quadro não precisa ser bonito. Muitas vezes nem é.

Vou embora. Que noite chata.

sábado, 2 de junho de 2012

Retorcendo

“Me despeço dessa história e concluo, a gente segue a direção que o nosso próprio coração mandar... e foi pra lá...” “Assinado eu”, Tiê.

Não precisava continuar com isso, eu devia parar. Mas fiz o contrário, sempre faço isso. É a contramão que me faz retorcer a ferida, fazê-la sangrar, ainda há muito sangue aqui. Uma coleção de feridas abertas. Veja, meu corpo também é marcado.
Continue, diga-me, conte-me, mate-me. Quero os detalhes. Ainda assim, não está claro. Só está claro o fato de que não sou o único idiota desse mundo. Não sou o único que não sabe falar. Não sou o único egoísta que foge em silêncio. Estou aborrecido, talvez por isso esteja exagerando nas palavras.
Alguém importante se foi, alguém que tinha potencial. Cometi um erro. Um erro precisa ser revisto, mas agora já era. O estrago está feito. O que fazer, então? Rever não só o erro, mas a importância desse alguém que tinha potencial e agora não tem mais.