terça-feira, 31 de julho de 2012

Na margem de Behr

brinco com as palavras
como brinco
com uma criança
que ainda não aprendeu a falar

“Laranja Seleta”, de Nicolas Behr.

sábado, 28 de julho de 2012

Guerra de carnes V

“Vou armado de dentes e coragem, vou morder sua carne selvagem.”
“Caçada”, de Chico Buarque.

Vamos devagar, devagar, estou pegando o jeito, devagar, devagar. Mas sem parar, sem parar. Agora vamos, rápido, rápido, já cansei dessa demora, já cansei, já cansei.

O ritmo é o mesmo, mas agora tudo se tornou tão frenético que não posso mais parar, não posso mais pensar. O jogo é sempre difícil porque há certo medo e não sabemos o que pensamos ou o que queremos. E chega o momento em que é preciso ser ousado, abusado, e então o tempo corre.

Observo você. Como será nossa linguagem? Como se dará o encontro de nossos corpos? Há uma lógica que impera, que não podemos negar. Ela se faz presente nos olhares e gestos mais sutis. Tentamos decifrar o que um e outro querem. O segredo me excita.

Não faça assim, faça assim. Em meio à loucura e ao suor, tenho a incrível descoberta: a despeito de qualquer gramática sexual, a palavra final é minha; portanto, eu mando e você obedece. E toda lógica que aprisiona se inverte. Eu mando e você obedece.

Você não vê? É preciso mais do que desenvoltura e ousadia. É preciso ter certa maldade para viver essa vida.

“Hoje é o dia da graça, hoje é o dia da caça e do caçador.”

Eu sou a caça que devora o caçador.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Os bondes de Rachel

Pode ser fantasia, papel leva tudo, diz o povo, mas das gentis novidades que os jornais prometem por obra do novo prefeito do Rio, a que mais me entusiasma será a volta dos bondes, imagina, o bondes. Nem acredito, a tanto não chegam as minhas veleidades. Bonde circulando pela rua, a gente esperando no poste de listra branca, escalando o alto estribo, instalando-se no velho banco de madeira, abrindo o jornal e deixando o motorneiro correr, o vento nos banhando o rosto... E o dito motorneiro badalando na sua campa delem-delém! e o condutor tilintando os níqueis no nosso nariz distraído, faz favor! – e marcando as passagens na caixa sonora do teto, e a gente puxando a sineta para descer e os pingentes circunavegando os carros – não, não ouso acreditar. Bonde, o mais civilizado veículo concebido pela técnica, bonde que não esquenta, não queima óleo, não vomita fumaça, não buzina, não sai do caminho, não ultrapassa os outros, não abalroa, não agride, não vira em canal, não despenca de viaduto, não caça pedestre, não fura pneu, não quebra barra de direção, não dá tranco para acomodar a carga humana, não depende de um motorista sofrendo de psicotécnica, mas de um motorneiro pachorrento, bonde, ah, bonde, não sei o que diga em teu louvor, já que, plagiando Manuel Bandeira, por mais que te louvemos nunca te louvaremos bem!

“Os bondes”, crônica de Rachel de Queiroz, Rio de Janeiro, 07/04/1975.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Carta para ninguém


Todo lo que quiero se me escapa de las manos
Eso es lo que no quería admitir
Todo lo que quiero se me escapa de las manos
Y no sé manejar lo que empiezo a sentir
“Debajo de mi lengua”, Julieta Venegas.

Pela primeira vez, a solidão está me assustando. Sua face agora é outra, está mais sombria, mais ameaçadora, feito um cão amigo que de repente e por um motivo que desconheço quer me atacar. Não a reconheço mais.

Eu pretendia expor meus medos, meus anseios. Porém foi só o que consegui. Não consegui trabalha-los. E o que faço agora com tudo isso? Contemplo essa coisa reduzida, como uma peça, uma obra de arte incômoda e indecifrável, todavia bela. Isso aqui é uma carta para ninguém. Pura metalinguagem vazia e sem razão.

É preciso ir adiante com isso, é preciso dar um destino para tudo isso. É preciso ir e parar. É preciso tudo e nada e não sei mais o quê.

 É essa a vida que eu queria?

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Subvertendo

“When I move a certain way, I feel an ache I’ve kept at bay… a hairline break this aching hold, a metal that I thought was gold.”
“Falling Free”, Madonna.

Há uma ferida que só você pode curar, há uma dor que você pode tocar sem doer. Mas você insiste em me ferir, insiste em me colocar vulnerável. De início pensei que não era intencional. Mas hoje fiquei com uma pequena dúvida; parece que você de certa forma quer esse jogo. Quase consigo ver você, diante do computador, divertindo-se em puxar a corda. Os tolos amam. Os espertos são amados.

Meu caro, por que você agiu assim? Ou antes, por que esperei tanto de você?

“Ah, coração leviano, não sabe o que fez do meu...”
“Coração leviano”, Martinho da Vila.

Estou caindo, caindo sem parar, indo ao chão com força, com infinitas perguntas voando ao meu redor, chegando aos meus ouvidos como mosquitos zombeteiros. Onde eu errei? Diga-me...

Mas você está quebrando o encanto. Tudo isso está uma droga. O feitiço está acabando e o que restou dessa magia está se convertendo em algo próximo da raiva. Não sei bem o que é, mas sei que isso precisa acabar, e felizmente está acabando.

“De tanto eu te falar, você subverteu o que era um sentimento...”
“Sentimental”, Los Hermanos.

Não peça desculpas. E sim, dói. Dói porque eu mergulho de cabeça em tudo que quero.

domingo, 1 de julho de 2012

Pensando

Saio de casa à procura de ilusões
Coincidências e confirmações
Alguém com seu nome, algo, uma lembrança
Algumas palavras, aquelas canções
O mundo assim parece tão pequeno
Eu continuo tendo visões
Depois que nos encontramos
Eu esqueço todo o tempo
Que fiquei sem te ver
Fora o tanto que eu me perco
Fora tudo o mais que eu penso
Eu só penso em você
“Eu só em penso em você”, Kid Abelha.

Eu tentei, mas não percebi que a tentativa em si já era um erro. Só me dei conta disso quando era tarde e eu já estava longe.
Tomei banho, vesti-me, coloquei os melhores sapatos e saí. Saí para tentar salvar essa semana de merda e, enquanto isso, o centro do Rio padecia, fervia, enlouquecia com as militâncias desvairadas. Protestos em todas as ruas principais, uma loucura só. Um tanque de guerra feito de pastéis atravessava a Avenida Rio Branco. Deus...
Passei por toda aquela loucura, a chuva leve, porém imperdoável. Tentando chegar àquele lugar, isolado do mundo. Talvez isolado de algum bom senso, também.
O trânsito também estava impossível. Até que, muito irritado, dei-me conta da minha infantilidade. Estava procurando algo que não encontraria, eu sabia disso. Estava fantasiando que tudo aconteceria novamente ao acaso, mas que dessa vez daria certo.
Na verdade, venho agindo assim, esperando que as coisas conspirem novamente a nosso favor, mas que dessa vez seja com uma boa roupa, um bom lugar, uma boa conversa, uma boa bebida. Sem erros, sem medos, sem ilusões. Mas isso já é uma ilusão. Tudo era uma desculpa, um motivo manifesto, aparente; eu estava percorrendo as ruas insanas do Rio esperando encontrar você. Pura loucura. E então volto para casa.

Fico em casa
À espera de nada
Nenhuma visita
Nenhuma chamada
Ninguém com seu nome
Nem sua afeição
Nenhuma esperança
Nenhuma canção
O mundo assim parece tão imenso
Eu continuo vivendo em vão
Depois que nos encontramos
Eu esqueço todo o tempo
Que fiquei sem te ver
Fora o tanto que eu me perco
Fora tudo o mais que eu penso
Eu só penso em você

E não consigo parar.