sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Ódio não dito

Recebi você de coração, de mãos abertas. Ofereci o que havia de melhor, mas depois de um tempo percebi que nossa relação se deturpou, se desvirtuou.
Não sei exatamente como aconteceu, mas parece-me que você pensou ter encontrado algo em mim que lhe dava o direito de me pisar, de me tratar como uma criança estúpida.
Não são apenas divergências teóricas. Herdadas de seus professores, suas frases prontas são a prova de sua ignorância e ingenuidade, e elas não me afetam tanto porque sei que o mundo é isso. Sua prepotência, seguida de uma incapacidade de ouvir, de um hábito de ofender para defender e a falta de empatia muito me irritaram.
Mas não escrevo para você, escrevo para mim mesmo, para refletir sobre meu hábito de acreditar que todos são bons ou que podem ser. Não, algumas pessoas de fato são más e você é uma delas. Escrevo para dizer o que não foi dito; de um modo ou de outro, isso precisava sair. Escrevo para que fique claro para mim mesmo que tudo isso que aconteceu não trata apenas da dificuldade de lidar com certas pessoas, mas sim da dificuldade de aceitar que certas pessoas me vejam de certo modo, que me vejam como algo que não sou. E refletir sobre isso é necessário e bom.
Amizade genuína é aquela em que os amigos não nos tratam bem nem mal; eles apenas sabem quem somos.

sábado, 18 de agosto de 2012

Reflexos da infância

O Pão de açúcar, do lado,
Em nuvens cinzas se tranca;
No poente ensanguentado,
Surge a lua muito branca.

Frente a ela, num lampejo,
De saudoso fim de vida,
O sol, tristemente, vejo
Fazendo a sua descida.

E vendo a lua se alçando,
Sol que desce e se retira,
Penso: parece mentira,
Mos tempos que vão passando.

Esse namoro sisudo:
O sol que espera a pequena,
E enquanto a espera arde tudo,
Não resiste a linda cena.

Para a porta se conduz,
Atrás do morro onde afunda,
Enquanto a lua se inunda
Num lento beijo de luz...

A tela de céu, distante,
Relembra o quadro da vida:
Quanta gente, segue adiante,
Na forçada despedida;

E quanta lua aparece,
Em busca de feliz plaga,
Quanto sol que me aquece
Logo fugindo se apaga.

“Reflexos”, de Irene Pillar Drummond.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O Rio

De mãos dadas em Salvador, em nome de Salvador. A cidade é outra, a história é outra. Os tambores batem e eu não posso parar, não quero parar.

Os santos olham para nós. Os deuses que foram esquecidos e odiados, mas que têm muito a nos dizer. O sol se põe, a luz empalidece. Todos os santos são meus.

Artes, livros e fotografias. Prepare alguma coisa para mim, tenho fome. Uma farofa carregada será sempre bem vinda. Meus pés estão cansados. Água quente e massagem. Bethânia nos acompanha. Cuide de mim, abrace-me, cativa-me, sou tua raposa, tua contradição. Teu cheiro ficou e agora não sai mais. Cheiro, ciúmes, sorrisos, confissões, desejo, tesão. Tanta coisa em poucos dias que não aguento.

Eu poderia dizer tanto e tudo, mas tu me paralisaste, convencendo-me mais uma vez que estamos ligados por algo que não tem nome, embora insistam em nomear. Nomear é diminuir e isso que temos é tão grande que talvez não mereça nome algum.

“Meu Rio.” O que te traz aqui? Dois lugares, duas pessoas, um amor. Eu sou teu Rio e tu és meu Salvador.

Vida, ah minha vida...
Olha o que é que eu fiz
Deixei a fatia mais doce da vida
Na mesa dos homens de vida vazia
Mas vida, ninguém sabe, eu fui feliz
“Vida”, Maria Bethânia.