sábado, 29 de setembro de 2012

Amores dúbios


“Rir é quase iludir, é querer forçar
O próprio coração a gargalhar
Quando ele está solitário na dor
A soluçar de amor”
“Lágrima”, Maria Bethânia.

Seria muito desconfortável se me sentasse à frente dos dois. Os dois, de uma vez. Mas colocando-os assim, frente a frente, pelo menos em minha mente, talvez me ajude a racionalizar esta coisa toda, se é que isso é coisa que se racionalize.
Um tão longe e que me ama, outro tão perto e não quer saber de mim. É fato que meu desejo se orienta pelo improvável ou impossível, meu desejo é pelo não, mas pergunto-me se é possível amar duplamente. Mas logo me lembro de que o verbo amar não pode ser usado a torto e a direito, ele não pode ser usado para qualquer um. E sem dúvida não deve – ou não deveria ser – usado para quem está perto e faz questão de parecer que está a anos-luz de distância.
Mas talvez esse amor duplo esconda o fato de que ambos os amores sejam dúbios, ou sazonais, ou não sei. Só sei que amo, e quando penso em um, não consigo pensar em outro, não quero pensar em outro, em mais nada. Parece-me que procuro um amor que não me toque, que me machuque em seu silêncio, um amor que não volta.
Há um mistério nessa dor, há uma estranheza em toda essa agonia. Quero que isso pare, quero esquecer e voltar para o amor que não é dúbio. E então me lembro do medo de me sufocar. Lembro-me de que a solidão me seduz. E ela está me seduzindo. Não quero mais amar.

sábado, 22 de setembro de 2012

Caindo


“I know you think that
I shouldn’t still love you, or tell you that
But if I didn’t say it, while I’d still have felt it
Where’s the sense in that?”
“White Flag”, Dido.

Noites sem dormir. Horas passando, percepção aguda, pensamentos e perguntas que nunca vão embora, mas que se intensificam enquanto a madrugada avança.
Pensei e cansei de pensar, embora não consiga parar com isso. No escuro e no silêncio, deitado na cama, pergunto-me por que tudo ficou do jeito que está. Pareço um vira-lata que não quer largar o osso, um tolo infantil que só quer sofrer. Mas não é isso. Eu quero que isso passe, quero esquecer, inclusive esquecer que fui esquecido e seguir em frente. Mas não consigo. Eu preciso entender que sou uma pessoa como qualquer outra.
Certa noite, bebi. Bebi muito, a ponto de não conseguir mais andar. Felicidade? Não. Apenas aumentei o abismo. Sabia que explodiria. Peguei um taxi e voltei para casa. Ao abrir a porta, caí no chão e ali fiquei. Não sei por quanto tempo fiquei, chorando, desolado, visualizando aquele rosto e me agoniando, esperando que alguma coisa milagrosa acontecesse ali. Mas as luzes do corredor se apagaram e não houve milagre. Fiquei no escuro, sendo observado pelo nada. Então, aos poucos, levantei-me do chão, fechei a porta e fui para a cama.
A vida segue como se nada tivesse acontecido, como se não houvesse encontros e desencontros, como se não houvesse amor, como se não houvesse catarse, nem tristeza. A vida segue morta.

“But I will go down with this ship
And I won’t put my hands up and surrender
There will be no white flag above my door
I’m in love and always will be”

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Permanecendo

“Cause I know a love that
Will never grow old
And I know a love that
Will never grow old”
“A Love That Will Never Grow Old”, Emmylou Harris.
 
Sabia que você estaria aqui. Já pensei em me retirar, pelo menos por um tempo, para que sua presença virtual não me incomodasse, para que não me permitisse nem um fiapo de vontade. Queria distância, toda distância possível, não ver mais nada, não saber de mais nada, pois não poderia admitir que ainda não esqueci.
Tanto tempo passou e ainda faço-me perguntas. É algo que acabou, mas não acabou. Hoje suspeito que tudo tenha terminado por medo, ou por talvez eu ter quebrado meus encantos, não ter sido tão agradável, ou talvez eu tenha sido quase uma mocinha de tão agradável... Estava apenas brincando e atuando, era uma festa, estava tentando deixar tudo e todos à vontade, mas sinto que alguma coisa naquela noite acabou de vez. Foi algo sem volta, como uma sentença de morte. Mas foi uma morte covarde, desonesta, lenta.
 
“Chega de tentar dissimular e disfarçar e esconder
O que não dá mais pra ocultar e eu não posso mais calar
Já que o brilho desse olhar foi traidor
E entregou o que você tentou conter
O que você não quis desabafar e me cortou”
“Explode Coração”, Gonzaguinha.
 
Dói porque não há o que fazer para desviar o amor, dói porque há confusão, dói porque o oposto do amor não é o ódio e sim a indiferença. Eu quis tanto, eu esperei tanto... Eu amei tanto em tão pouco tempo. E você não merecia nem metade, você não queria nem metade.
 
“Meu deus, olha o que você me fez
E olha o que me aconteceu
Tudo se perdeu, tudo desandou
E agora não vai mais emendar
O que se quebrou”
“Tudo se perdeu”, Paula Toller.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Ninho vazio

“Vem, te faço um carinho, eu te toco mansinho
Te conto um segredo, te encho de beijo
Depois vou descansar, não vou te acompanhar
Espero que entenda”
“Te valorizo”, Tiê.

As lágrimas insistiram em descer quando a abri a porta e me lembrei que você não estava mais ali. A casa voltara à sua tristeza e silêncio habituais. Não havia cheiro de milho, não havia cheiro de café. No meu quarto, uma surpresa esperada, escrita no papel. Outra surpresa em mim: jamais pensei que voltaria a lamentar a falta de alguém.
 
Ninho vazio, coração cheio. Obrigado, mas agora preciso respirar. Preciso permanecer entre meus cobertores, nesse ninho frio, respirando o nada, apreciando o nada. O nada é bom.
 
Agora, a solidão é minha única companheira.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A escrita de Clarice

Às vezes tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que, ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconsciente, eu antes não sabia que sabia.
 
“Sobre escrever”, crônica de Clarice Lispector, 20 de dezembro de 1969.