sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Gays de Deus


É curioso ouvir um gay dizer que não tem “problemas” em ser gay e praticar sua religião. Religião que, a princípio, condena a homossexualidade. Mas conversa vai, conversa vem, surgem perguntas e questionamentos, até que algumas peculiaridades aparecem.
Todos sabem. O padre sabe, os membros sabem, a igreja sabe. Mas ninguém fala a respeito, não publicamente. Ninguém precisa falar, já está implícito e ao mesmo tempo evidente. Os casais gays que insistem nessa palhaçada de aderir a uma fé que os rejeita não demonstram que são gays, embora toda a congregação saiba. Quando apontado que a igreja apenas aceita por uma questão de tolerância, de aprovação social, mas que na verdade o preconceito permanece, esse argumento é recebido com estranheza, com incômodo. Não importa se, oficialmente, a religião condena a homossexualidade, muito menos se seus membros, em suas casas, digam que ‘viadagem’ é uma pouca vergonha ou que falem mal dos gays que passam por suas ruas, embora tratem com sorrisos aqueles que freqüentam sua igreja e que parecem heterossexuais, de tão comportados. A questão, tão óbvia para esses gays religiosos, é que eles simplesmente não precisam “se mostrar”. Ninguém precisa vê-los de mãos dadas ou se beijando. Aliás, igreja não é lugar disso. Claro, o espaço dito sagrado tem outras finalidades, mas é estranho, e quase cômico, que casais gays, para serem aceitos nessas igrejas, seguem uma espécie de protocolo, um conjunto de regras de sociabilidade que inibe qualquer manifestação de afeto entre eles. Protocolo ao qual casais heterossexuais não se submetem e nem faria sentido se submeterem, pois não há motivos para um casal heterossexual esconder que é um casal. Eles, por exemplo, não comparecem aos encontros da igreja dizendo “oi, esse é Paulo”, deixando em seguida um silêncio compartilhado por todos; eles dizem “oi, esse é Paulo, meu namorado”.
Essa insistência de alguns gays se submeterem a essa diferenciação, a essa forma sutil de discriminação, não é a única coisa que me incomoda. De certa forma, essas pessoas estão reafirmando séculos de homofobia religiosa. Não pelo discurso, já que agora a igreja alcançou o auge de sua hipocrisia não falando descaradamente a essas pessoas que, de acordo com sua interpretação bíblica, elas irão para o inferno. Agora, a discriminação se dá pelas práticas de modo muito sutil. São gays, mas são aceitos desde que não “dêem pinta”, desde que se comportem como heterossexuais.  Contudo, quer queiram ou não, quer se preocupem com isso ou não, a sexualidade dos homossexuais, por ser considerada desviante, é politizada. Eles compõem uma minoria social, representam uma diferença. Precisam reafirmar essa diferença e não adotar práticas e muitas vezes discursos que a princípio os oprimem. O que me parece é que, mesmo dotados de uma diferença que lhes dá potencial para promover mudanças, essas pessoas querem apenas aceitar e reproduzir um modo de viver que originalmente as exclui. Essa tese é confirmada quando, ao falar sobre as igrejas inclusivas, que aceitam homossexuais sem nenhum tipo de protocolo heterossexista, recebo a resposta “você já foi nesse tipo de igreja? É uma baixaria, um monte de viado se pegando”, embora eu saiba que essa opinião tenha se baseado em apenas um incidente ocorrido numa igreja inclusiva; apenas um incidente, que foi capaz de criar uma opinião tão generalista como essa... Mas os questionamentos e as críticas continuam até o momento que recebo a seguinte sentença: “A sua fala é comum entre as pessoas que tem problemas com a sexualidade.” Pronto. Está manifesta a típica arrogância cristã, que lança àqueles que não se enquadram no seu ‘molde de santidade’ sua própria inadequação.
É lamentável que essas pessoas sejam incapazes de criar seu próprio modo de chegar à divindade, se é que ela existe. Ao invés de criarem seu próprio sistema de valores e dogmas religiosos, preferem sacrificar esferas de suas vidas para poder comer do mesmo pão e beber do mesmo vinho de um grupo que não os quer. Não se dão conta de que essa é, sim, uma forma de violência, mesmo que no nível simbólico. É como a política do “don’t ask, don’t tell”, felizmente derrubada, que durante muitos anos obrigou centenas de militares americanos a permanecerem no silêncio, vigiando, milimetrando, sufocando seu desejo e sua natureza. Dizer que gays não precisam “se mostrar” é um discurso moralista, perverso e cruel, que diferencia e discrimina pessoas, que ignora a sexualidade como constituinte da natureza humana, sufocando-a.
Que a diferença sirva para fazer diferença. É por isso que, depois dessa conversa esclarecedora, só tenho mais uma coisa a dizer: gay não tem que ser evangélico ou católico. Gay tem que ser queer.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Medo e alguma coisa II

Nunca imaginei que aconteceria assim, mas esperava que acontecesse, tinha esperanças. Nunca pensei que esse medo poderia ser compreendido e, portanto, controlado. Sinto que ele está quase em minha mão. Chega a ser engraçado. Foi muito tempo e muita coisa para chegar até aqui, sentar nessa mesa de bar diante de você. E falar com você. E rir com você. E confirmar que você sempre tem uma explicação para tudo.
No tempo que passou, vomitei palavras como aquele beato para estar aqui, bebendo com você. No passado, admirei você a ponto de ter medo de você. Ainda admiro, mas o medo acabou. Você não me assusta. Nesse tempo, descobri que você é humano, incrível, mas humano. E, como já era de esperar, tenho que tomar cuidado com as palavras. Muito cuidado.
Não posso lamentar que eu tenha levado tanto tempo para conseguir superar isso. Estou feliz por ter chegado a esse ponto. Estou feliz por estar nessa mesa de bar, conversando com você. Ninguém pode imaginar o quanto esse momento é importante para mim.

Estou conseguindo.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Ligado


“Every little thing that you say or do I’m hung up, I’m hungin’ up on you… Waiting for you call baby night and day, I’m fed up, I’m tired of waiting on you.” “Hung up”, Madonna.

A noite não acaba. Eu preciso dançar. Como diz a música, o tempo segue devagar, muito devagar. Estou aqui, esperando você, mas você foge. Você tem algum problema para se aceitar como é? Ou você não me aceita como sou? Estou cansado de gostar de gente assim. A qualquer momento posso me tornar uma pessoa normal e quem sairá perdendo com isso será você.
Se pensa que estou preocupado ou se te quero, está perdido. Finjo-me de inocente e amo quando acreditam nisso. Tudo é mentira exceto minha intenção. Sim, estou ligado em você, como diz a letra, mas estou contando o tempo, estou apostando em você, sua carne, seu gozo. Oh, deus, eu juro que estou apostando... Um pedaço ínfimo de mim ainda acredita em você. “É o que estou fazendo agora.” Quero me deliciar e ver no que dá. Ora, não vai dar em nada... Mas estou protegido contra meu próprio coração. Ele será seu, se quiser; mas agindo assim você terá nada mais que alguns minutos. Diga-me, é isso que quer?

“I can’t keep on waiting for you. I know that you’re hesitating. Don’t cry for me ‘cause I’ll find my way. You’ll wake up one day but it’ll be to late…”

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Amanhã é 25


Estou ficando velho. Frase clichê, eu sei, ainda mais vinda de mim. Tenho alma de idoso, todos dizem.
Mas ninguém sabe que é nessa época que sopra em mim uma vontade forte, impetuosa e impensada, típica das juventudes. É nessa data chamada aniversário, que entre outras coisas serve para nos avisar de que estamos morrendo, que tiro não sei de onde uma força, um querer respirar que me deixa tenso, ansioso. Vontade de aproveitar o tempo que vem e de recuperar o tempo que foi.

É o medo da morte que me faz querer viver tão intensamente nessa época. Viver a ponto de esquecer, mesmo que temporariamente, o medo latente, o medo do fim.