sábado, 31 de dezembro de 2011

O sonho do príncipe II

Há sentidos que não se explicam. Apenas sentimos e ponto. Há desejos que não se explicam. Apenas desejamos e ponto.
Ele nunca me despertara nada. Durante tantos anos, vendo-o esporadicamente por aqui, era necessário simplesmente deixá-lo passar como qualquer um. Mas depois daquela festa, inexplicavelmente ele se tornara uma pessoa interessante.
Nem sempre é bom pensar duas vezes antes. Pensei tanto que não consegui me aproximar. Contentei-me a ficar observando. E em pouco tempo estava mergulhado numa trama. Preciso de algo dele antes de partir. Preciso saber quem ele é hoje, se continua sendo um idiota do passado ou se mudou, sinto que mudou.
Não sei. Estou criando coisas. Descubro uma história e seu nome está no meio dela. Preciso saber mais. Entro na Internet, mexo em telefones alheios, investigo. Não consigo quase nada. Procuro aquele que pode me dar alguma informação, mas ele quer outra coisa. Entro num jogo de sedução. Jogo que não sei jogar direito, mas a necessidade, a vontade de saber, me ajuda a jogar razoavelmente bem. Consigo bancar o jogo e quase – quase – chego aonde quero. Ele quer me ver outra vez. Com um sorriso, faço promessas. Mas a verdade é que agora ele não tem mais utilidade para mim. Mas ele é uma boa pessoa. Eu é que não sou.
E o alvo do meu desejo continua sendo um alvo. Apenas isso. Sinto certa frustração, tanto por não realizar uma fantasia quanto pelo próprio fantasiar. Preciso dar um freio nisso.
Silêncio. Releio alguns escritos e após alguns minutos lembro-me daquele sonho. Caramba, como as coisas se encaixam... É isso que está acontecendo: eu quero tornar real o sonho do príncipe.
Mas é ano novo, vida nova. Chega de sonhar, chega de tolice. É era de querer; querer de verdade.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O retorno III


Olá, Rio Pequeno. Estava com saudade. Logo que atravesso sua fronteira, dentro do ônibus escuro, eu regrido. Você vai fazer comidas gostosas pra mim, mãe?
Pouca coisa mudou. Mas com o passar dos dias vejo que as coisas aqui estão diferentes. Na verdade, são meus olhos que olham de modo diferente. Vejo mais coisas. A cidade está mais alegre, mais colorida. Mas o medo permanece. O medo e a hipocrisia permanecem. Alguns aqui são invisíveis. Outros sabem fazer bom uso de sua invisibilidade. É perigoso, sabe? Há apenas uma rua para se divertir aqui.
Esqueço do mundo lá fora, esqueço de tudo, até do tempo. Nem sei que dia é hoje, não importa. Mas a chuva não pára, não pára. Saio à noite, sozinho, estou fugindo de alguma coisa, não sei, é divertido. Meu momento preferido: andar para relembrar e se emocionar. O que poderia parecer uma estupidez, uma bobagem para alguns, é algo grandioso para mim. Nada substitui esse momento, nada. Ando pelas ruas, revendo cada chão, cada casa, cada silêncio, cada história. O passado está em minhas mãos.
É madrugada e chove. Paro em frente à biblioteca, iluminada por uma forte luz azulada. No meio da rua feita de pedras, com o guarda-chuva à mão, contemplo o azul. Sinto de longe o cheiro de livro. Sinto algo que não há como explicar. A noite é minha. A cidade é minha. A torre (também azul) da igreja me vigia ao longe, acompanhando cada passo que dou na cidade que ela pensa ser dela.
É Natal. Faço perguntas demais, preciso parar com isso. As pessoas se incomodam. Mas confesso que sinto certo prazer sádico em deixá-las sem graça. Mas isso é ruim, muito ruim.
Cascos de cavalo batendo no chão, carros de velório passando, música alta. Chega um momento que isso me cansa. Além disso, relembrar é um processo que se torna insuportável. E eu odeio sertanejo universitário.
É contraditório. Pela primeira vez pensei com clareza na possibilidade de voltar. Mas não sei. Só por ter voltado sem dor, sem erros e sem lágrimas já estou satisfeito.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Revolta de Clarice

Quando o amor é grande demais, torna-se inútil: já não é mais aplicável, e nem a pessoa amada tem a capacidade de receber tanto. Fico perplexa como uma criança ao notar que mesmo no amor tem-se que ter bom senso e senso de medida. Ah, a vida dos sentimentos é extremamente burguesa.

“Uma revolta”, de Clarice Lispector, em “A descoberta do mundo”.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Esboço de uma auto-análise IV

Foram dias muito difíceis. Adoeci a ponto de quase não poder andar. Minha pele queimou e a marca ficou.
Diante dessa agonia, usei as ferramentas em mim mesmo para tentar entender o que se passava. Não é apenas stress. Depois de muito associar, lembrei-me, espantado, que essa não fora a primeira vez. Esse sintoma bizarro, aparentemente inofensivo e quase incapacitante, manifestou-se em diferentes épocas de minha vida. Diferentes, porém semelhantes. Foram épocas em que estava esperançoso, feliz, exitoso. Épocas em que eu estava na iminência de conseguir algo ou que já havia conseguido. Poderia ser minha mãe, poderia ser um emprego, um curso. Poderia ser qualquer coisa. Sempre tive a sensação de que algo me punia por ser feliz e agora vejo que era eu mesmo.
Foi algo que fiz de errado no passado? Ou algo que fizeram de errado comigo? Quando tudo está indo tão bem, adoeço... Os sintomas são sempre os mesmos. Mas é a dor do silêncio, também. Meu corpo fala quando as palavras não vêm.
Mas há algo mais forte, mais terrível que o silêncio. Sei que meus pais têm alguma relação com isso. E então, alguns dias depois da cura temporária, percebo algo na relação com meu pai. Não podemos ficar bem, não podemos. Às vezes eu preciso odiar, mas não necessariamente ele. Na rua, fugindo, parado de frente àquela árvore... que vontade de dar um soco nessa árvore... com toda minha vontade. Mesmo sabendo que sangraria, que poderia quebrar a mão, eu queria, eu precisava, eu merecia. Mas continuei a caminhada.
Se é meu ódio que me pune, não sei. Só sei que estou para adoecer outra vez. Estou na berlinda, sinto isso.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Catarse

Há coisas que, por mais interessantes que sejam, não devem ser vistas, não devem ser presenciadas. O problema não está na coisa em si, está em nós, que de alguma forma nos movemos diante daquilo, nos mobilizamos, pois de alguma forma aquilo diz respeito a nós, ou pior, não diz.

Fiquei impressionado. Senti-me desconfortável, senti algo ruim. Mas após alguns minutos, com a ajuda de uma cerveja gelada e uma boa companhia, concluí que, ora, se o incômodo é meu, é meu e pronto. Ver o que não quero faz-me dar conta de que eu quero, mas não tenho coragem. Eu sou uma pulsão ambulante.

Não por acaso, uma hora depois entrei numa espécie de catarse. Uma catarse sexual, onde nada, nem meu corpo, era meu. E no meio de tudo isso, dessa loucura toda, vou aprendendo e entendendo, aos poucos e muito precariamente, que posso mandar no jogo. Posso segurar a mão que me toca e afastá-la, posso puxar a outra. Não preciso dizer, apenas mandar. Mas fico em dúvida se essa foi uma forma de sentir, de me fazer pensar que tenho o controle, que tudo o que quero é meu, ou se foi um modo de dizer que não quero nada, nem mesmo meu corpo, nem mesmo meu desejo. E, de qualquer forma, a verdade é que não aprendi a jogar porcaria nenhuma. A única coisa que sei é que descarreguei de modo muito intenso.

Se existe jogo, é para nele perder e não se perder.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Os pés delatores

Lá estava eu. Mergulhado em mil coisas e nada. Uma imensidão de idéias, um vazio. Tanta coisa que eu jamais conseguiria passar para o papel, jamais conseguiria colocar aqui. São momentos em que estou suspenso, é quando esqueço o mundo. E esqueço-me de atuar. O tempo passando sem pressa, mas passando.
Alguém toca meu braço com a ponta de um guarda-chuva. Assusto-me. É um conhecido, que me cumprimenta. Apresenta-me sua namorada, eu acho. Fico alguns segundos sem ação, sem palavras. Estava mergulhado e ele me tirou depressa.
Mas estava mergulhado em mim. Eu estava eu, sem máscara, sem rodeio, sem nada, sem sei-lá-o-quê. Ele pegou meu ego desnudo, desprevenido. Fui descoberto? Mas o que há recoberto?
Tentei ser falsamente natural, como sempre. Mas depois que eles foram embora, olhei para o grande espelho à minha frente e de imediato meus pés me chamaram a atenção. Ambos virados em direção oposta ao meu visitante. De um lado, o visitante; para o outro lado, meus pés, revelando meu desejo inconsciente de ir embora, de fugir e me proteger. Malditos pés.
Espero que meu conhecido não tenha percebido, ele é ótima pessoa e muito querido. O problema é que ele apareceu num momento íntimo demais.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Turbilhão II

Erro as palavras. Não sei usá-las, nem escolher as certas. Descrevo o que sinto de modo inadequado, pouco coerente, enganoso e nem um pouco poético. Talvez nem seja possível descrever. Mas é fato que escrevo mal. Eu também falo mal.

A primeira reunião não foi nada agradável. Uma bofetada logo de início. Mais trabalho, mais sacrifício. Menos dinheiro. Poderia falar, mas fui um idiota. Eu poderia ter sido convincente, sério, maduro. Não consigo lidar com certas pessoas. Pensei que agora seria adulto, que entrar nessa nova fase seria uma prova de que, sim, agora sou um adulto, veja. Mas às vezes comporto-me de modo tão infantil que se pudesse bateria em mim mesmo, sem dó.
Parece que há algo que quer me punir, não sei, impedir-me de crescer.

“Não fique se lamentando pelo que você poderia ter dito e não dito. Pense apenas em fazer melhor da próxima vez.”

Mas a coisa é mais complicada. Há algo muito fundamental nisso, algo muito estrutural. Em certos momentos, estou atuando. Não fingindo, mas sim repetindo coisas dos primeiros anos. É sempre o problema das figuras de autoridade. Eu perco a noção das coisas. Muito. Mas alguns medos são vencidos. Para dizer a verdade, não sei.

Mensagens na madrugada. O telefone é meu inimigo. Mas as mensagens são lindas. Nada como a noite e o álcool para fazerem as pessoas confessarem que amam. E eu não consigo pronunciar bem a palavra amor.

“Sou grato a você por me permitir viver isso contigo. Não senti por ninguém o que sinto por você. (...) Mas ainda preciso aprender a manejar essa coisa tão delicada chamada amor.”

Meu coração diz algo, embora eu não saiba o quê. Não consigo entender. Ele diz com certo sufoco algumas palavras difíceis, mal pronunciadas. Parece que está tentando dizer que preciso sair, me aproximar mais, me deixar levar. Por outro lado, sente-se confortável demais para isso.

Estou tão cansado... De tudo...

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Destruição

Destruição é a primeira palavra que me vêm à cabeça depois dessa crise toda. Destruição não-sei-do-quê, das coisas ou talvez de mim mesmo.
Estou doente e não consigo me recuperar. Não entendo porque essa gente porca não fica doente, por que sou sempre eu. Já fiz de tudo. Ou quase tudo. Mas é fato que está acontecendo uma grande injustiça.
Se depois do choro a dor física passasse e eu melhorasse... Mas não passa... Quero que isso melhore. Não agüento mais. Minha auto-estima está quase no ponto zero. Será o estresse, serão minhas cobranças? Por mais que eu tente relaxar e ser relaxado, não adianta.

Por que isso acontece comigo, meu deus, por quê? Por que logo comigo? Explique-me, explique-me... Não agüento mais sofrer.

sábado, 29 de outubro de 2011

Esboço de uma auto-análise III

É porque fui ferido no passado que hoje não quero mais o possível. É isso. Amo aquilo que é impossível, para que continue impossível. Para que não haja possibilidade de mais um golpe, de mais sangue. Mas sempre prefiro o risco, o que revela esse componente masoquista de minha personalidade. Estou triste por não saber conduzir as coisas por outro caminho. Odeio isso. Odeio mais porque de certa forma quero isso.
Eu era uma criança inocente e boba, que foi machucada. Atirei-me no fogo e quase morri. E hoje tento preservar essa criança, apenas cerceando o fogo. Não me atrevo a pular, não como antes. Apenas rodeio a fogueira, fingindo que vou pular, sentindo o calor, quase me queimando, numa tensão excitante, num jogo de sedução quase mortífera. Eu, criança, e o fogo que me destrói. Mas também sou o fogo, sou a destruição que há nele. Mas separar os dois é a forma que encontrei para salvar a criança. Esta parece não crescer.
Mas há um terrível fato que não posso ignorar: se a criança não cresce, ela precisa morrer.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Esboço de uma auto-análise II

Ultimamente, venho tendo uma vontade implicante, sádica. Vontade de ferir as pessoas nas entrelinhas, assim como me exponho nas entrelinhas. Apenas no virtual do virtual. Implicância mais do que implícita. Mas há uma raiva gostosa, uma raiva não-sei-do-quê, um prazer e um incômodo no qual preciso dar um fim. E diante dessa estranha sensação, dessa confusão, aquele personagem me vem à cabeça. Santa associação livre.
Ele é como os outros. É como os anteriores. Confuso, mas talvez saiba o que quer. Sim, ele sabe. Seu olhar o traiu. Mas não deixa de ser confuso e de ter medo. Eu também tenho medo, mas não sou confuso. Ah, isso não sou mesmo, nem um pouco. Mas voltemos a ele. Tem todos os elementos para me atrair. Ele está tomado pelo medo... Está inseguro, perdido. Como eu o quero.
É uma vontade sádica de aparecer, é isso. Vontade de dar minha cara à tapa. Aparecer, trágica e comicamente. Fazer barulho para enfim ser notado. Enfim encantar. Então não pode ser paixão, pois o interesse despertado nada mais é do que uma vontade de pisar, de por um momento provar que há pessoas em situação pior que a minha. Mas porque desejar o que foi meu passado? Porque sempre e somente essa alternativa? É masoquismo de minha parte?
Sinto que essa coisa me vem toda assim quando percebo (ou pelo menos entendo assim) que ele me ignora. Então vem essa coisa de destruir. Que delícia. Que tristeza.
É bom que isso se repita para que eu entenda o que acontece comigo, para entender o porquê de não conseguir gostar por outras vias, outros modos. Mas às vezes acho que não vou aprender. Não mesmo.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O medo do fim

Por esses dias fui tomado daquele desespero familiar e silencioso. Aquele medo de estar perdendo tempo, rumo à morte, ao fim vazio. Já escrevi sobre a morte, perguntando por que não falamos dela, e isso continua sendo uma questão para mim. Aprendi que o risco não está nas coisas, está na impossibilidade de falar delas. Principalmente quando são tão fortes, tão intensas, tão perturbadoras.

Porém é mais do que isso, é mais do que simplesmente falar sobre... É falar sobre você, sobre seu próprio fim. Não é doloroso?

Estava aqui, sentado, na correria ansiosa, quando de súbito tornei-me consciente do meu fim. E escrever sobre isso torna-me ainda mais consciente. Por isso é tão difícil continuar. O que vem depois? Quero dizer, há algo depois? Será que essa história de céu e inferno é real? Parece-me que não existir mais é mais terrível que ir para o inferno. Não sei. Você morre e não existe mais. A história continua, o mundo continua, tudo continua. Você se foi. Não existe mais. O que é não existir? Como é não existir? Oh, deus...

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Alma de Clarice

Só que dessa não se morre. Mas tudo, menos a angústia, não? Quando o mal vem, o peito se torna estreito, e aquele reconhecível cheiro de poeira molhada naquela coisa que antes se chamava alma e agora não é chamada nada. E a falta de esperança na esperança. E conformar-se sem resignar. Não se confessar a si próprio porque nem se tem mais o quê. Ou se tem e não se pode porque as palavras não viriam. Não ser o que realmente se é, e não se sabe o que realmente se é, só se sabe que não se está sendo. E então vem o desamparo de se estar vivo. Estou falando da angústia mesmo, do mal. Porque alguma angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai.

“Angina Pectoris da Alma”, Clarice Lispector, em “A descoberta do mundo”.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O homem da casa

Ao completar dezoito anos, ele começou a trabalhar. De carteira assinada. Assumiu uma responsabilidade quando se acreditava ser ele incapaz de saber o que é isso. É curioso como o trabalho, à primeira vista, transformara de modo súbito um menino em um homem. Ele passou a se comportar como um homem, a falar como um homem. Mais curiosa ainda é a reação da família; ao contrário, não houve reação e sim uma recepção calorosa e esperada ao novo homem da casa. Enfim, ele estava no caminho certo. Mas é provável que o trabalho não tenha sido o elemento causador dessa rompante transformação. Acredito que foi explicitado algo que estava latente, elaborado desde o nascimento dessa criatura.
É como um rito de passagem. Ele passou para outro estágio da vida e isso é motivo de orgulho. Percebo certa satisfação naquela atuação de homem, certo prazer em demonstrar força, independência, a ponto de sua atuação ser caricata. Na verdade, a maioria das pessoas não se dá conta de que ser homem e ser mulher é pura caricatura. É patético, tão patético que chega a irritar.
Mas ele não é um homem completo, ainda. Sua caricatura não está pronta. Para ser homem, ele precisa tirar sua carteira de motorista. O desejo de conquistar o lugar social do macho é tão insano que essa família ignora alguns pequenos grandes detalhes: 1) ele não tem um carro; 2) ele não tem uma garagem para o carro; 3) ele não tem dinheiro para comprar um carro; 4) para quê ele quer um carro? Para cumprir mais um papel masculino frente às mulheres e amigos?
É impressionante como ele não pode ser sem isso. Essa é sua existência, seu propósito de vida (mas nem por isso deixo de ridicularizá-lo). A carteira de motorista, entre tantos outros objetos, são-lhe inúteis, apenas servem para ‘comprovar’ sua masculinidade. São como símbolos de macheza.
Acredito que, no caso desse homem entre muitas aspas, há mais do que necessidade de provar que ele é homem: há uma necessidade de ocultar o fato de que ele não é homem. É alguém que, em seus plenos dezoito anos, consegue realizar a proeza de conservar a mentalidade de uma criança da idade de cinco, fazendo jus à tradição masculina de sua família. Como dizem por aí, “igualzinho ao pai”.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O sonho do príncipe

Às vezes um sonho é tão bom que tentamos voltar. Sonhar aquele sonho outra vez, mesmo que seja semi-acordado. O acordar, paradoxalmente, é reduzir ou apagar certa realidade. Realidade de uma ilusão.

Sonhei que meu amor aparecia. Não sabia por que ou quem, mas era meu amor, não dizia isso, mas sentia. Estava em minha cidade pseudo-natal. Conhecemo-nos à noite, ficamos juntos. Voltei para o Rio e foi um amor de verão. Um ano depois, voltei para lá e nos reencontramos por acaso. Meu amor, na rua, naquela rua. Que curioso. Já estive parado ali, há alguns anos, observando as pessoas passando com suas bicicletas, o meio de transporte por excelência naquela cidade. Aquela casa do outro lado. Sim, aquela casa. Realmente, muito curioso. Lembro que uma vez tropecei e quase caí, naquele mesmo ponto. E um amigo, que morava naquela casa, ria. A casa está vazia, hoje.
O amor de bicicleta avistou-me e deu meia-volta, atrapalhando-se. Conversamos e à noite nos entregamos, num desespero de um ano. Ficamos juntos mais vezes, saímos mais vezes. E nos apaixonamos. Mas não falamos disso, não precisávamos. Sentíamos.
E eu, tão irredutível em minhas decisões, troquei o dia da passagem para ficar mais uma semana na companhia de meu amor. Era tão boa, aquela presença... tempo que não sentia isso, muito tempo. Era algo bom de verdade, não um bom forçado. E antes que o ‘adeus’ ou o ‘até mais’ acontecesse, acordei. Acordamos?

Uma mistura curiosa de realidade e sonho. Fatos reais e ficções. Um encontro naquela cidade aconteceu, e foi intenso, mas não como esse. Meu amor parecia mistura de, acho, umas três pessoas. A condensação está clara: desejos passados, desejos presentes. Passado e presente em cópula. Mas o deslocamento não está claro.
Será a ansiedade de um próximo encontro? Será a ansiedade do casamento de um amigo? Ou será o desejo que pulsa com tanto ímpeto que está a ponto de ultrapassar-me, de romper-me?

Não tenho mais o que dizer, mas tenho muito para sentir. E sonhar.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Saudade de Clarice

"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida."

“Saudade”, em “A descoberta do mundo”, de Clarice Lispector.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Esboço de uma auto-análise

É a primeira vez que vivencio (ou pelo menos percebo) a experiência da contratransferência. Acontece com quem trabalha com bicho homem e bicho mulher. Mas o que me surpreendeu é o fato de como essa contratransferência ajudou-me a entender melhor a mim mesmo, a entender por que algumas coisas acontecem e outras não. Por que algumas coisas dão certo e outras não. E por que não consigo sentir-me pleno.

Monstro é muito triste. Monstro quer morrer. Quer ajuda e não quer. Já cheguei a ter que insistir, convencê-lo a voltar. Inicialmente, pensava que meu interesse e até pena por Monstro era por causa de seu quadro lamentável. Mas um acontecimento entre colegas, aparentemente sem nenhuma relação com Monstro, fez-me perceber o real motivo de minha quase fascinação por ele.

Há um medo, uma insegurança que me assola, que me devasta. Já fora muito pior, mas esse medo ainda vive, é parte de mim. Ele se manifesta em diferentes esferas da vida, em diferentes momentos, mas em geral é latente, orienta silenciosamente meus passos. Dou-me conta de seu controle muito tempo depois do estrago ter sido feito. Quando o medo fala, ou melhor, quando grita, é uma catástrofe. Eu impressiono, choco, destruo, levo-me até o cúmulo do ridículo, se for preciso. O medo precisa falar, mesmo que por via da coragem. E o medo se corporifica, ou já é corporificado. O medo está no espelho, por isso não olho tanto para ele. Eu sou Monstro, nesse sentido. O que me inquieta em Monstro é sua aparência deplorável, é algo que acredito de alguma forma estar em mim. É o feio, o bizarro, dismórfico, que faz-me gritar. Mas o gritar não é de medo, é de êxtase. E o êxtase não é de prazer, é de medo. O medo enquanto êxtase; o êxtase enquanto medo. O medo como resposta ao medo.

É uma sensação de inadequação que não sei explicar. É por isso que não dou passos fundamentais em minha vida... é por isso que não tenho confiança suficiente para arriscar... é o medo do monstro que há em minha face. Monstro pode ser muitas palavras.

E lembro-me do passado, quando me apaixonei. Lembro-me, com dor, das muitas oportunidades, dos momentos naquela presença tão desejada. Lembro-me dos sinais, tão gritantes agora, das muitas deixas, das muitas pistas que não percebi. Ele falou com todas as letras silenciosas o motivo de minha presença, mas o medo cegou-me. O medo incapacitou-me. O medo falou por mim todo o tempo que estive com ele. O medo, aliás, fala todo o tempo. O medo está falando agora, está dizendo o quanto sou...

Coloco as mãos sobre o rosto e choro.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Centésimo

“Oh... sweet sorrow... let’s write the book tomorrow…” “Coming Home”, K. D. Lang.

Estamos aqui. Outra vez. Centésimo. Muito tempo passou. Tantas palavras escritas aqui... Pensamentos, idéias, conflitos, reflexões ou tudo isso junto. Algumas vezes nas entrelinhas, na maioria das vezes de forma escancarada. Como dizem, muito suor, sangue e lágrimas. Mas não é bem verdade: sou um homem bom, agradável, feliz a maior do tempo, e há tantas coisas doloridas aqui... E muitas coisas reduzidas, que perderam sua grandeza quando se tornaram palavras. Sinto que comecei num deserto e agora ele tem flores e água, mas a água é pouca e as flores são secas.
A dor de ontem me é antiga e exótica, mas ao mesmo tempo compreensível, até bonita. Eu era ingênuo, docemente ingênuo. Agora tenho muita maldade. Mas é melhor assim.
O cem é uma virada. Sinto assim. Um ano novo. Festa de réveillon. E como tal, dou-me o direito de fazer planos e promessas para o ano que chega.
Não quero desejar e amar a fantasia. Não quero fugir das pessoas, ficar escondido, sentado, aqui no escuro, no cantinho. Quero ir para o mundo, para tudo que há lá fora, bom e ruim.
Matei alguns corações, construí outros. Falei verdades que quase mataram. Sinto-me sozinho às vezes, falando para mim mesmo. Às vezes parece que escrevo para multidões.
Não importa. Continuaremos falando e escrevendo às multidões, mesmo que essas multidões sejam os múltiplos dentro de mim.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Minuto de tormenta

“I’ve got everything to lose...” “Everything to lose”, Dido.

Seguir pelo mundo, sem raiz, sem peso, sem compromisso. Não dá. Há coisas para terminar. Há uma vida para seguir. Queremos nos soltar, nos desprender de tudo. Quem tem coragem de dar o passo? Quem tem coragem de perder-se? Quem quer de fato viver? Quem quer colocar tudo a perder?
Hoje penso assim, amanhã preferirei a calmaria. Não quero saber, só sei que agora quero quebrar tudo. Mandar tudo pro inferno. O mundo é grande demais e não posso ficar aqui, parado, vendo tudo rodar. As coisas rodam de um modo esquizofrênico, não consigo acompanhar. Por isso não posso pensar duas vezes. Mas tenho medo. Vou morrer com medo. E me arrepender por toda a eternidade, se é que ela existe.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Tempo e acaso

Disse a mim mesmo: quando você menos esperava que acontecesse, aconteceu. E então retruco, também para mim mesmo: Mas você nem sabe o que aconteceu.
Verdade. Não sei. Só sei que, de início, atrapalhei-me com os olhos e os gestos. É algo que sempre acontece. Mas minha cara-de-pau quase nunca não falha. Vejo que você espera demais, cria demais, idealiza demais e eu posso não corresponder às suas expectativas. E nem pretendo.
Disse a você que tudo acontece ao acaso, mas isso não é motivo para arrancar os cabelos. Você diz que também pensa assim, mas não age assim. O acaso não parece ser sua filosofia de vida. Você está com medo de terminar assim, sozinho, está desesperado. Não pense isso do acaso, ele está ao nosso favor. Quando menos esperarmos, acontece. Mesmo que não saibamos o que de fato aconteceu.
Eu posso não estar aqui amanhã com você. Se estiver, só o tempo irá dizer. E só o tempo irá permitir. Não procurarei por isso, não farei por onde. Se tiver que ser nós dois, seremos. Tempo e acaso. Sempre ao nosso favor.
Achei estranho e bom ter agido assim, assertivamente. Ter colocado os pingos nos i’s, deixar dito, e bem dito, o que eu pretendia; ou melhor, o que não pretendia. Nesse dia concluí que precisamos aprender errando, não há outro modo. Precisamos machucar algumas pessoas para aprender. E precisamos ser machucados também.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Desafio e arte para um amigo

O blog é um espaço ideal para canalização de idéias, pensamentos, conflitos e reflexões. Representa uma tentativa, muitas vezes frustrada, de tentar transformar aquilo que está em nós, nos constitui ou nos afeta - em um termo, a 'coisa' - em palavra. Mas, como diz Clarice Lispector, tentar transformar a coisa em palavra diminui a coisa. Escrever sobre si é, portanto, um desafio e uma arte. Boa sorte e seja bem-vindo!

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Indizível


O portão se fechou e olhei para a rua. Madrugada. Ainda não conseguia colocar em palavras, de modo ordenado, o que acontecera aquela noite. As palavras, os sinais, as entrelinhas. Você mostrou suas intenções e me colocou no devido lugar. Mostrou o que realmente queria. Sinto uma mistura de raiva com não sei mais o quê.

Não sei jogar, não sei. Não tenho essa confiança, essa ginga toda. Não sei usar os olhos, muito menos as palavras. E tudo já começou errado. Eu sou um erro para você.

Há coisas que são difíceis de serem traduzidas em palavras, por isso apenas sinto. Tentar tornar o indizível dizível é como diminuir, empobrecer a coisa, entende? Alguém me entende?
É por isso que desisto de falar sobre isso. Apenas sinto. Deixo apenas doer. É sempre assim. Quando não há nada a dizer, é porque algo está errado. E eu não tenho nada, absolutamente nada, para dizer agora.