sábado, 29 de outubro de 2011

Esboço de uma auto-análise III

É porque fui ferido no passado que hoje não quero mais o possível. É isso. Amo aquilo que é impossível, para que continue impossível. Para que não haja possibilidade de mais um golpe, de mais sangue. Mas sempre prefiro o risco, o que revela esse componente masoquista de minha personalidade. Estou triste por não saber conduzir as coisas por outro caminho. Odeio isso. Odeio mais porque de certa forma quero isso.
Eu era uma criança inocente e boba, que foi machucada. Atirei-me no fogo e quase morri. E hoje tento preservar essa criança, apenas cerceando o fogo. Não me atrevo a pular, não como antes. Apenas rodeio a fogueira, fingindo que vou pular, sentindo o calor, quase me queimando, numa tensão excitante, num jogo de sedução quase mortífera. Eu, criança, e o fogo que me destrói. Mas também sou o fogo, sou a destruição que há nele. Mas separar os dois é a forma que encontrei para salvar a criança. Esta parece não crescer.
Mas há um terrível fato que não posso ignorar: se a criança não cresce, ela precisa morrer.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Esboço de uma auto-análise II

Ultimamente, venho tendo uma vontade implicante, sádica. Vontade de ferir as pessoas nas entrelinhas, assim como me exponho nas entrelinhas. Apenas no virtual do virtual. Implicância mais do que implícita. Mas há uma raiva gostosa, uma raiva não-sei-do-quê, um prazer e um incômodo no qual preciso dar um fim. E diante dessa estranha sensação, dessa confusão, aquele personagem me vem à cabeça. Santa associação livre.
Ele é como os outros. É como os anteriores. Confuso, mas talvez saiba o que quer. Sim, ele sabe. Seu olhar o traiu. Mas não deixa de ser confuso e de ter medo. Eu também tenho medo, mas não sou confuso. Ah, isso não sou mesmo, nem um pouco. Mas voltemos a ele. Tem todos os elementos para me atrair. Ele está tomado pelo medo... Está inseguro, perdido. Como eu o quero.
É uma vontade sádica de aparecer, é isso. Vontade de dar minha cara à tapa. Aparecer, trágica e comicamente. Fazer barulho para enfim ser notado. Enfim encantar. Então não pode ser paixão, pois o interesse despertado nada mais é do que uma vontade de pisar, de por um momento provar que há pessoas em situação pior que a minha. Mas porque desejar o que foi meu passado? Porque sempre e somente essa alternativa? É masoquismo de minha parte?
Sinto que essa coisa me vem toda assim quando percebo (ou pelo menos entendo assim) que ele me ignora. Então vem essa coisa de destruir. Que delícia. Que tristeza.
É bom que isso se repita para que eu entenda o que acontece comigo, para entender o porquê de não conseguir gostar por outras vias, outros modos. Mas às vezes acho que não vou aprender. Não mesmo.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O medo do fim

Por esses dias fui tomado daquele desespero familiar e silencioso. Aquele medo de estar perdendo tempo, rumo à morte, ao fim vazio. Já escrevi sobre a morte, perguntando por que não falamos dela, e isso continua sendo uma questão para mim. Aprendi que o risco não está nas coisas, está na impossibilidade de falar delas. Principalmente quando são tão fortes, tão intensas, tão perturbadoras.

Porém é mais do que isso, é mais do que simplesmente falar sobre... É falar sobre você, sobre seu próprio fim. Não é doloroso?

Estava aqui, sentado, na correria ansiosa, quando de súbito tornei-me consciente do meu fim. E escrever sobre isso torna-me ainda mais consciente. Por isso é tão difícil continuar. O que vem depois? Quero dizer, há algo depois? Será que essa história de céu e inferno é real? Parece-me que não existir mais é mais terrível que ir para o inferno. Não sei. Você morre e não existe mais. A história continua, o mundo continua, tudo continua. Você se foi. Não existe mais. O que é não existir? Como é não existir? Oh, deus...

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Alma de Clarice

Só que dessa não se morre. Mas tudo, menos a angústia, não? Quando o mal vem, o peito se torna estreito, e aquele reconhecível cheiro de poeira molhada naquela coisa que antes se chamava alma e agora não é chamada nada. E a falta de esperança na esperança. E conformar-se sem resignar. Não se confessar a si próprio porque nem se tem mais o quê. Ou se tem e não se pode porque as palavras não viriam. Não ser o que realmente se é, e não se sabe o que realmente se é, só se sabe que não se está sendo. E então vem o desamparo de se estar vivo. Estou falando da angústia mesmo, do mal. Porque alguma angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai.

“Angina Pectoris da Alma”, Clarice Lispector, em “A descoberta do mundo”.