quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Viver a vida (isso não é uma propaganda da nova novela das oito)

“Ir à praia e mergulhar no mar antes de tudo se acabar.” “Pega Vida”, Kid Abelha.

Além de escrever para um blog que ninguém lê, eu faço outras coisas que acho legais. Legais. Que palavra idiota...
Fico na internet, leio alguma coisa, estudo alguma coisa, assisto a algum filme, saio para algum lugar. E às vezes perco a linha. Em algum lugar. Mas às vezes parece que só estou rodando, que estou parado no mesmo lugar enquanto o tempo vai embora. Eu me sinto como se estivesse sempre atrasado.
A mesmice me atrai e me entedia. Ela é calma, é segura. É conveniente. Mas é frustrante. Há alguns dias, sentado na areia da praia, eu me dei conta de como me distraio comigo mesmo. Sou tão complicado que eu me complico ainda mais.
Talvez isso colabore para que eu deixe o tempo fugir de minhas mãos: eu presto tanta atenção em mim que acabo não prestando atenção no tempo. Qualquer tempo: minutos, horas, dias, meses, anos. Eu tenho tanta sede e tanto enjôo de tudo...

A vida é bela, sim, ela é. A vida é incrivelmente grandiosa e bela. Ela é tanto que nós não damos conta dela. Nós não estamos ao alcance dela.

“Não é bem felicidade, mas ainda fico afim. Querer o que se pode é liberdade, sim.”

Eu quero viver, quero viver, tentando eternamente ficar ao alcance da vida. Sei que nunca conseguirei, mas eu quero continuar tentando. Essa é a razão de existir. Isso é viver.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Perdoe-me

Às vezes acho que o único caminho, a única saída, é o ódio. Ninguém à minha volta vale à pena. Ninguém. Todos são cínicos demais, são hipócritas demais, são cegos demais, são ignorantes demais. Não é possível que eu seja um deles, eu não posso ser. Parece que todos vieram a esse mundo apenas para comer e morrer. Eles não conseguem enxergar, eles não conseguem. Eles simplesmente não querem. Não há solução para eles. Eles merecem morrer.
Algumas pessoas têm como parte de seu projeto de vida uma viagem ao exterior, uma casa... Meu projeto de vida é respirar. Respirar livre e tranqüilo. Apenas isso, pois respirar significa muito. Significa estar o mais longe possível de todos.

“É muito ódio”, ela disse. Eu sei. É tanto ódio que não consigo suportar.

Há motivos para tanto ódio? Ou melhor, os motivos são fortes o suficiente para criarem tanto ódio?
Odeio todos eles. Mas então me lembro dele. Só dele. Ele não merece meu ódio. Ele merece meu abraço, meu carinho, minha compreensão, meu amor. Ele merece meu silencioso pedido de perdão. Ele sofreu o que não merecia ter sofrido. E eu me sinto em parte responsável por isso. Ele jamais saberá da dor que carrego, do arrependimento que pesa em minha mão. Eu sou orgulhoso. E tenho medo. Não quero mais vê-lo chorar.
Entre todos os odiáveis, eu o elejo. Eu o coloco como exceção. Ele não merece meu ódio, ele é inocente... E continuará sendo meu eleito quando descobrir quem eu realmente sou. Mesmo que ele me odeie, eu o amarei.
Ele é a pessoa mais importante para mim. Como diz a canção, ele não é um fardo.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Algo bom

Sempre que passo em lugares com construções antigas, eu sinto algo bom. Algo tão bom que não tenho como descrever aqui. Dos belos patrimônios tombados até os cortiços e casas abandonadas, sinto uma nostalgia sem comparação. Fico imaginando quantas histórias aconteceram ali, quantas pessoas passaram por ali, quantas vidas nasceram e morreram ali. Viver nesses lugares, mesmo que seja por alguns minutos, é compartilhar um pouco de minha curta vida com a longa vida desses lugares. O Rio de Janeiro é belo porque é cheio de longa vida.
Andar pelas casas e lugares que retratam o passado me dá vigor para viver o presente. Acho que esses lugares me dão a sensação de perpetuidade, de pertencimento; sinto-me parte de uma história, de um lugar, de algo que ficará ali, sempre.

Como você já deve ter percebido, meu caro leitor, eu não sei escrever sobre a felicidade. Desisto.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Vi e não vi

“Meu Deus... olha o que você me fez, e olha o que me aconteceu... Tudo se perdeu, tudo desandou... Agora não vai mais emendar o que se quebrou...”
“Tudo se Perdeu”, Paula Toller.

Aquela onda de sentimentos estava viva. Veio das profundezas, com a mesma força, o mesmo ímpeto, de antes. Algo que aconteceu há tanto tempo, que se afogou, que morreu... Não morreu. Pelo menos não totalmente.

Não.
É a negação de tudo que foi criado. O que foi criado é apenas uma barreira.
Não.
É a negação do que se sente e do que se pensa sentir.
Não. Não, não e não.

Fico me perguntando se isso é unilateral. Conversei com alguns amigos e eles me disseram que também acontece com eles.
É triste que as coisas tenham terminado assim. Ah, não quero lamentar isso outra vez. Eu só queria saber se isso, afinal de contas, foi unilateral. Não por esperança. Apenas para saber... Talvez me deixe mais feliz.

Eu não tenho o que escrever. Só tenho o que sentir. Se eu pudesse retirar isso de mim e colocar aqui... E deixar aqui... O que ficaria em mim?
Eu só queria saber se isso foi unilateral.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Duas questões

Há duas questões que não me saem da cabeça. Eu preciso falar sobre elas.

A semana que passou foi boa, prazerosa e divertida. E tensa. Tensa porque mais uma vez eu me deparei com meu velho conflito. Mais uma vez eu senti aquele “algo” incômodo, a quem não sei dar nome, mas que sei que é fruto do encontro, da mistura, de um certo puritanismo com uma certa libertinagem.
Sou uma pessoa estranha. Viver isso que eu chamo de puritanismo é agradável, é calmo. Permite que a vida seja previsível. Mas isso cansa, isso sufoca, às vezes. E então vêm o desespero e a frustração. Quando reúno coragem suficiente para pôr os pés (ou melhor, um só pé) na libertinagem, o problema é outro. Isso que eu chamo de libertinagem não tem calmaria, não há limites, não há previsibilidade de nada. Eu não sei o que fazer com ela. Ou melhor, eu não sei como lidar com ela.
A mistura do puritanismo com a libertinagem faz parte de mim e me faz sofrer. O puritanismo e a libertinagem me confundem, eu me sinto desnorteado. Eu me sinto estranho, vazio, culpado (de quê?) e triste. Triste porque não sou nem de um nem de outro. Eu não pertenço nem ao puritanismo, nem à libertinagem.
Esse ambiente sem rotina, louco, alucinadamente feliz, esse ar lascivo, onde tudo parece (e é) uma caça, isso me assusta, mas eu quero isso. E depois não quero. Eu coloco um pé na libertinagem e logo quero voltar ao puritanismo.
Talvez o problema seja minha incapacidade de criar fronteiras, ou de ver as coisas de outra forma. Ou que não consiga ou não saiba dançar conforme a música.
Mas pode ser também um problema conceitual. Talvez eu não tenha bem definidos meu puritanismo e minha libertinagem. Mas como defini-los se eu não sei me definir? Como já disse, eles são parte de mim.
Pensando bem, talvez não sejam totalmente parte de mim; eles parecem ter uma dimensão social. Talvez as pessoas à minha volta sejam puritanas ou libertinas demais.
Eu não consigo chegar a nenhuma conclusão. Talvez a própria concepção de mim sob essas duas dimensões seja um equívoco.
Enfim, passemos à segunda questão: por que nós nos importamos justamente com as pessoas que estão cagando para nós?

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Acredite em mim

Acredite em mim quando eu te digo que não poderemos resolver muitos dos nossos problemas. Acredite quando digo que a vida é cruel, porque ela realmente é. Mas isso não é de todo ruim. A crueldade da vida nos move. Por ela ser cruel, nós lutamos. Nós tentamos, tentamos e tentamos. Estou tentando, agora.
Acredite quando eu te falo que a busca pela felicidade é árdua, que muitas vezes ela nos aparece como um oásis, como uma meta final, que nunca alcançaremos. Nossas vidas são uma eterna busca.
Entenda que a felicidade talvez não exista. O que vejo existir é a dor, a agonia, o vazio. Nossa natureza se constitui do vazio e dele se alimenta. A humanidade representa nada mais do que uma tentativa desesperada de preencher esse vazio, de mascarar a dor constante com momentos de felicidade. Felicidades. Encare a verdade. O ser humano é feito de sofrimento.
Por favor, acredite em mim. Falo agora em outro sentido. Acredite em mim, dê-me uma chance. Não me olhe assim, não me censure. Deixe-me tentar mostrar que sou capaz, que posso fazer a diferença. Dê-me sua mão. Quero sentir seu abraço, mesmo que você sangre com meus espinhos. Por favor, acredite em mim.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Por que não falamos dela?

“* EIS UM PEQUENO FATO *
Você vai morrer.”
“A menina que roubava livros”, Markus Zusak.

É assim que a Morte começa a contar a história. Antes de tudo, ela quer deixar bem claro ao leitor o quanto os dois estão próximos, o quanto aquela história pode ser familiar.
Fato é que a maioria das pessoas evita pensar na própria morte, pelo menos conscientemente. Eu me incluo nessa maioria. Tenho horror só de pensar no pensar da minha morte. Quando criança, eu tinha medo não somente de morrer, mas morrer com dor. Hoje, meu medo não se resume ao medo da dor, meu medo é o medo do fim. Como disse há alguns dias, medo do fim vazio. Pense bem, a qualquer momento você não existirá mais. Sua história acabará, e o mundo continuará. Talvez você seja lembrado, talvez não. Talvez sua existência tenha tido alguma importância, talvez não. E o que vem depois? Ah, sim, aquela velha pergunta. Existe vida após a morte? Se for a vida prometida pela Bíblia, muito obrigado, não quero. O céu é perfeito demais, e o inferno é desesperador demais. Não há equilíbrio em Deus. Nem no diabo.
Às vezes fico imaginando o inferno citado na Bíblia. Deus do céu, imagine, sentir todo seu corpo em brasas, por toda a eternidade. É preciso uma força sobre-humana para não se deixar afligir por essa imagem, ainda mais quando a enfiam na sua cabeça desde pequeno.
Problema maior é decidir quem vai para onde. Os judeus do Velho Testamento foram para o céu? Todos os gentios dessa época foram para o inferno? Depois de Cristo, só foram para o céu os que acreditaram nele? E quanto aos povos que não conhecem as boas-novas, eles vão para o inferno sem ter o direito de escolha, sem ao menos saber que existe um céu e um inferno cristãos? Talvez algum teólogo, padre, pastor, alguma merda dessas, responda que eles foram para o céu, mesmo não aceitando Cristo, por não terem ouvido as boas-novas, e por isso serem inocentes. Ora, a partir do momento que eu conheço Cristo, tenho que aceitá-lo. Senão irei para o inferno! Então, é melhor nunca ter ouvido falar dele, pois assim não arriscarei minha salvação! Cristo, por acaso, é a árvore do conhecimento, aquela árvore do jardim do Éden, do fruto proibido? Cristo nos leva para o inferno?

Afinal, existe vida após a morte? O que é a morte?

Ninguém escapa dela. É por isso que as histórias de ressurreição impressionam tanto. A ressurreição. O retorno.
Grandes homens e mulheres, grandes pensadores, que mudaram a história, se curvaram diante da morte. Muitos até a procuraram. Sim, suicídio.
Outra questão que me impressiona. O que leva uma pessoa a tirar a própria vida? Como disse no início, as pessoas não pensam na própria morte, conscientemente. Mas todos fantasiam a própria morte. Nossa morte está viva em nosso inconsciente. Todos nós somos, num certo grau, suicidas.
É melhor eu parar de escrever essas coisas. Você deve estar assustado, ou incomodado, com essas palavras. Vou parar, prometo. Só mais uma coisa: se o que está escrito aqui te incomoda, é porque, de alguma forma, isso tem relação com você.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Medo e alguma coisa

“I apologize that once again I’m not in love…”
“Life for Rent”, Dido.

Eu tenho medo dele. Não sei por quê. Só sei que tenho medo. É algo que não consigo controlar; é algo que me controla. Por mais que eu tente racionalizar isso, por mais que eu tente enfrentar isso, o medo me controla. Sinto que ele me odeia.
Eu tentei jogar o jogo de maneira sutil, mas esse jogo é difícil demais. Mas ele, muito inteligente, muito esperto, muito perspicaz, captou o sinal. Um segundo abriga mil palavras. Mas eu não sei jogar o jogo. O jogo é novo para mim, e eu tenho medo, muito medo. Medo de quê?
Medo do que ele representa, talvez. Inveja. Mas é uma inveja boa, eu juro. Ele é o que não sou e o que quero ser. Ele tem a coragem, a audácia, a maturidade, a beleza e a felicidade que eu não tenho. Sinto que ele me odeia.
Ele entrou no jogo. Ele é bom. Mas eu não sei jogar, não sei! Ele me assusta. Ele é ousado. É abusado. Ele é perfeito demais e isso me assusta. Não há como continuar. Nessas horas, sou o que não sou e faço o que não faço. Mentira, eu não sei o que sou nem o que faço.
Ele... não, você. Sim, você! Escute, eu preciso que você escute! Eu tenho medo de você porque eu quero ser você! Mas você não entende, você não pode entender, não há como entender!
Você não entende... acha que sabe o que está acontecendo, acha que tem uma formidável explicação para tudo, inclusive para mim. Você não sabe, mas você foi muito importante. Foi, porque agora você me incomoda. Eu não quero que você exista. Enquanto você existir eu não serei nada.
Não, não é a sua existência que me incomoda; estou errado. É a sua indiferença. Como você mesmo disse, o oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença. Agora entendo um pouco. Você não me odeia, você é indiferente.

“Confesso, entretanto, que sou incapaz de anunciar assim o que eu sinto... Não pense que é covardia, é apenas timidez.”
“Apenas Timidez”, Kid Abelha.

Eu sou o beato do metrô, o beato que vomita.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Vomitado

Eu voltei... nem acredito. Achei que isso era fogo de palha. Bem, vamos ver o quanto isso vai durar. Espero que dure bastante, pois estou cansado de começar coisas e não terminá-las. É frustrante.
A primeira impressão é a que fica. Talvez você tenha me achado arrogante e “reclamão”, eu sei. Acho que sou um pouco dos dois. Mas tentei fazer uso da associação livre, o bom e velho método psicanalítico, no qual tudo que vier à cabeça deve ser dito. Sem censuras, sem medos. É nesse vomitado que está a resposta. Vomitado do inconsciente. E se meu inconsciente é arrogante e “reclamão”, o que eu posso fazer?
Até que sou uma pessoa divertida, juro. Algumas pessoas dizem isso. A verdade é que não sei me definir, não sei se sou simpático ou antipático, por exemplo. Eu sou os dois? Depende do lugar, da pessoa, de mim. De mim? O que é “mim”?
Durante muito tempo eu tentei uniformizar meu eu, seja lá o que isso significa, nem eu sei ao certo. Eu achava que ser autêntico é ser uma só pessoa em qualquer lugar, em qualquer ocasião, com qualquer pessoa. Uma pessoa que é sempre simpática é autêntica, assim como uma pessoa que é sempre antipática. Contudo, eu fui aprendendo que ser mais de uma pessoa é uma vantagem. Uma vantagem social. E de tanto quebrar a cara e me surpreender com as pessoas, aprendi que a falsidade, ou a dissimulação, é uma virtude. Oh, sim, é uma virtude. Digo virtude considerando o significado original dessa palavra. Você consegue ficar em qualquer lugar, em qualquer ocasião, com qualquer pessoa. Sendo dissimulado, você se dá bem em tudo. Se você é um dissimulado, meus parabéns, eu te invejo. Minha doente criação cristã não permitiu que eu fosse um dissimulado. Mas, se você não é um dissimulado, tenha cuidado. Você pode estar rodeado deles.
Os dissimulados têm um ponto fraco. Não está presente em todos, mas alguns deixam em evidência. Em alguns é gritante. Meu professor de teatro quase me bateu quando disse isso. Colocou a turma contra mim. Mas sei que estou certo. Se não estiver, é o que minha pequena experiência de vida me ensinou.

Pessoas educadas demais são dissimuladas.

Não tem lógica um dissimulado ser grosseiro ou arrogante. Ele precisa ser educado para conquistar as pessoas. Esse, afinal, é o seu objetivo. Mas é difícil mentir. Paul Ekman, um psicólogo americano especialista em detectar mentira nas expressões faciais, diz que, se um sujeito estiver mentindo, de alguma forma seu corpo denunciará a mentira. Parece que a neurociência confirma isso ao defender que o cérebro humano tem mais facilidade em dizer a verdade do que mentir (Suzana Herculano-Houzel, minha ex-professora, a quem gosto de chamar de “celebridade acadêmica”, escreveu sobre isso em um de seus livros).
Nossa, todo esse discurso pseudo-intelectual pra defender um ponto de vista!
Um indício de mentira é quando a pessoa exagera num determinado comportamento, quando ri demais ou alto demais, quando faz caretas ao falar, coisas assim. Exageros. O exagero é o ponto fraco da dissimulação. E é com as pessoas exageradas, simpáticas demais, educadas demais, sorridentes demais, doces demais, que devemos tomar cuidado.
Não quero dizer que devemos ser grosseiros, mal-educados, ou coisas do tipo. Não estou criticando os dissimulados. Como disse, a dissimulação é uma virtude.

Não disse que eu era divertido? Ah, diga que sou... diga, vai... (estou sorrindo de uma orelha a outra, exercitando minha crua dissimulação).

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Puritanismo com libertinagem

"O medo grande me aprofundava toda. Voltada para dentro de mim, como um cego ausculta a própria atenção, pela primeira vez eu me sentia incumbida por um instinto. E estremeci de extremo gozo como se enfim eu tivesse atentado à grandeza de um instinto que era ruim, total e infinitamente doce - como se enfim eu experimentasse, e em mim mesma, uma grandeza maior do que eu. Eu me embriagava pela primeira vez de um ódio tão límpido como de uma fonte, eu me embriagava com o desejo, justificado ou não, de matar.
Toda uma vida de atenção - há quinze séculos eu não lutava, há quinze séculos eu não matava, há quinze séculos eu não morria - toda uma vida de atenção acuada reunia-se agora em mim e batia como um sino mudo cujas vibrações eu não precisava ouvir, eu as reconhecia. Como se pela primeira vez enfim eu estivesse ao nível da Natureza."
"A Paixão Segundo G. H.", Clarice Lispector.

Bem, começaremos assim. Começarei, porque eu falarei e você apenas escutará. Você pode concordar ou não com o que eu digo, pode entender ou não o que digo. Peço, por favor, que guarde para você tudo o que pensar. Não quero ouvir mais críticas, já tenho o suficiente delas.
Clarice. Acho que devo a ela uma certa gratidão. Ela tinha uma sensibilidade singular. Talvez fosse depressiva, sim, como um amigo me disse. Mas sempre achei que as pessoas sensíveis, como ela, sofrem demais. Ou que talvez a própria sensibilidade, a visão clara do mundo e da existência, seja fonte de sofrimento, de angústia. Muitos, como ela, padeceram.
Resolvi escrever algumas idéias, pensamentos, conflitos e reflexões na esperança de melhor “canalizar” isso tudo, uma tentativa, talvez, de tirar muita coisa da cabeça e deixar ela mais leve e tranqüila. Mas, como bem sabia Clarice, transformar a coisa em palavra diminui a coisa. De qualquer forma, eu tentarei, assim como ela tentou. Oh, não quero me igualar a ela, de forma alguma. Como já disse, eu só quero uma cabeça mais leve e tranqüila...
Eu sempre fui uma pessoa que pensa demais. A cada instante eu questiono as coisas, penso em mil fantasias, em mil hipóteses, situações, vidas, escolhas, tragédias, comédias, dores, amores, lágrimas, suor, sangue, vertigem, coração, platéia, medo, amor, sexo... E de uns tempos pra cá questiono os valores, as crenças, as histórias. Vejo que nada fica aqui por muito tempo, que o nada se prende a nada, que eu não sou nada.
Não, eu sou alguma coisa. Devo ser. Eu não existo simplesmente pra ser nada. Eu nunca encontrei um lugar pra chamar de minha casa. Há lugares acolhedores, sim, mas nenhum é minha casa. Da mesma forma que ainda não encontrei minha história, meu caminho. E diante dessa perdição, eu me desespero. Eu sou o nada que se tornará nada, que não será nem mesmo a poeira da poeira desse mundo velho. Eu morrerei e não deixarei uma história.
Talvez isso aqui, isso aqui mesmo, seja uma tentativa de deixar algo. É o medo da morte, talvez. Não, é o medo da morte vazia.
Desde que matei Deus, sinto que dei um pequeno, quase imperceptível, passo a algo parecido com a liberdade. Matar Deus foi algo que me ajudou a seguir adiante. Eu não tive escolha: ou Ele me matava, ou eu O matava. Hoje, eu sigo questionando tudo, e a angústia de ver que tudo é questionável me faz sentir que troquei Deus pela dúvida, e que os dois, Deus e dúvida, são igualmente terríveis, cruéis. Os dois são enigmáticos demais pra mim. Oh, talvez eu esteja ainda buscando a verdade, sim, é isso. Mas a verdade não existe. A verdade é uma invenção, foi criada por pessoas desesperadas como eu. O mundo é completamente caótico...

“O grande vazio em mim será o meu lugar de existir; minha pobreza extrema será uma grande vontade.”

É dessa forma que estou pensando agora. Talvez não pense assim amanhã. Escrever será uma forma de forçar a mim mesmo a não se esquecer disso. Eu penso na mesma velocidade que esqueço.
Algo deve ser feito. Algo precisa ser feito. Eu sinto isso. Estou andando a passos de tartaruga, mas estou. Estou.
Eu não falei nada. Ainda está aqui, aqui dentro, entalado. Vamos tentar na próxima vez. Haverá uma próxima vez?

“De agora em diante ficarei assim... desedificante.”
“Meu Vício Agora”, Kid Abelha.

Todos que leram esse texto vão para a puta que pariu.