O hálito deu a Shasta um pouco mais de confiança.
Contou então que jamais conhecera pai e mãe, que fora criado por um pescador
muito severo. Contou sobre como fugira, sobre os leões que os perseguiram, os
perigos em Tashbaan, a noite entre os túmulos, as feras que uivavam no deserto,
o calor e a sede durante a caminhada, e o outro leão que surgiu quando estavam
quase chegando, Aravis ferida... Contou, por fim, que estava com fome, pois não
comia nada havia muito tempo.
- Não acho que seja um desgraçado – disse a
grande voz.
- Mas não foi falta de sorte ter encontrado tantos
leões?
- Só há um leão – respondeu a voz.
- Não estou entendendo nada. Havia pelo menos dois
naquela noite...
- Só há um leão, mas tem o pé ligeiro.
- Como sabe disso?
- Eu sou o leão.
Shasta escancarou a boca e não disse nada. A voz
continuou:
- Fui eu o leão que o forçou a encontrar-se com
Aravis. Fui eu o gato que o consolou na casa dos mortos. Fui eu o leão que
espantou os chacais para que você dormisse. Fui eu o leão que assustou os
cavalos a fim de que chegassem a tempo de avisar o rei Luna. E fui eu o leão
que empurrou para a praia a canoa em que você dormia, uma criança quase morta,
para que um homem, acordado à meia-noite, o acolhesse.
- Então foi você que machucou Aravis?
- Fui eu.
- Mas por quê?!
- Filho! Estou contando a sua história, não a dela.
A cada um só conto a história que lhe pertence.
- Quem é você?
- Eu mesmo – respondeu a voz, com uma entonação tão
profunda que a terra estremeceu. E de novo: - Eu mesmo – com um murmúrio tão
suave que mal se podia perceber, e parecia, no entanto, que esse murmúrio
agitava toda a folhagem à volta.
Trecho do romance “O cavalo e seu menino”, da série
“As Crônicas de Nárnia”, de C. S. Lewis.
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