quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O retorno III


Olá, Rio Pequeno. Estava com saudade. Logo que atravesso sua fronteira, dentro do ônibus escuro, eu regrido. Você vai fazer comidas gostosas pra mim, mãe?
Pouca coisa mudou. Mas com o passar dos dias vejo que as coisas aqui estão diferentes. Na verdade, são meus olhos que olham de modo diferente. Vejo mais coisas. A cidade está mais alegre, mais colorida. Mas o medo permanece. O medo e a hipocrisia permanecem. Alguns aqui são invisíveis. Outros sabem fazer bom uso de sua invisibilidade. É perigoso, sabe? Há apenas uma rua para se divertir aqui.
Esqueço do mundo lá fora, esqueço de tudo, até do tempo. Nem sei que dia é hoje, não importa. Mas a chuva não pára, não pára. Saio à noite, sozinho, estou fugindo de alguma coisa, não sei, é divertido. Meu momento preferido: andar para relembrar e se emocionar. O que poderia parecer uma estupidez, uma bobagem para alguns, é algo grandioso para mim. Nada substitui esse momento, nada. Ando pelas ruas, revendo cada chão, cada casa, cada silêncio, cada história. O passado está em minhas mãos.
É madrugada e chove. Paro em frente à biblioteca, iluminada por uma forte luz azulada. No meio da rua feita de pedras, com o guarda-chuva à mão, contemplo o azul. Sinto de longe o cheiro de livro. Sinto algo que não há como explicar. A noite é minha. A cidade é minha. A torre (também azul) da igreja me vigia ao longe, acompanhando cada passo que dou na cidade que ela pensa ser dela.
É Natal. Faço perguntas demais, preciso parar com isso. As pessoas se incomodam. Mas confesso que sinto certo prazer sádico em deixá-las sem graça. Mas isso é ruim, muito ruim.
Cascos de cavalo batendo no chão, carros de velório passando, música alta. Chega um momento que isso me cansa. Além disso, relembrar é um processo que se torna insuportável. E eu odeio sertanejo universitário.
É contraditório. Pela primeira vez pensei com clareza na possibilidade de voltar. Mas não sei. Só por ter voltado sem dor, sem erros e sem lágrimas já estou satisfeito.

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