Olá, Rio Pequeno. Estava com saudade. Logo que atravesso sua fronteira, dentro do ônibus escuro, eu regrido. Você vai fazer comidas gostosas pra mim, mãe?
Pouca coisa mudou. Mas com o passar dos dias vejo que as coisas aqui estão diferentes. Na verdade, são meus olhos que olham de modo diferente. Vejo mais coisas. A cidade está mais alegre, mais colorida. Mas o medo permanece. O medo e a hipocrisia permanecem. Alguns aqui são invisíveis. Outros sabem fazer bom uso de sua invisibilidade. É perigoso, sabe? Há apenas uma rua para se divertir aqui.
Esqueço do mundo lá fora, esqueço de tudo, até do tempo. Nem sei que dia é hoje, não importa. Mas a chuva não pára, não pára. Saio à noite, sozinho, estou fugindo de alguma coisa, não sei, é divertido. Meu momento preferido: andar para relembrar e se emocionar. O que poderia parecer uma estupidez, uma bobagem para alguns, é algo grandioso para mim. Nada substitui esse momento, nada. Ando pelas ruas, revendo cada chão, cada casa, cada silêncio, cada história. O passado está em minhas mãos.
É madrugada e chove. Paro em frente à biblioteca, iluminada por uma forte luz azulada. No meio da rua feita de pedras, com o guarda-chuva à mão, contemplo o azul. Sinto de longe o cheiro de livro. Sinto algo que não há como explicar. A noite é minha. A cidade é minha. A torre (também azul) da igreja me vigia ao longe, acompanhando cada passo que dou na cidade que ela pensa ser dela.
É Natal. Faço perguntas demais, preciso parar com isso. As pessoas se incomodam. Mas confesso que sinto certo prazer sádico em deixá-las sem graça. Mas isso é ruim, muito ruim.
Cascos de cavalo batendo no chão, carros de velório passando, música alta. Chega um momento que isso me cansa. Além disso, relembrar é um processo que se torna insuportável. E eu odeio sertanejo universitário.
É contraditório. Pela primeira vez pensei com clareza na possibilidade de voltar. Mas não sei. Só por ter voltado sem dor, sem erros e sem lágrimas já estou satisfeito.
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