sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O egoísmo de Martha

Espelho, espelho meu, existe alguém mais egoísta do que eu?
(...)
Meu egoísmo é revelar só um pedaço do que sou, só a parte boa, a mocinha da história. Tenho, dentro de mim, um elenco de coadjuvantes que não deixo que brilhem, que não dão autógrafos nem saem nas capas de revista. Egoísta. Poupando o mundo do meu lado sórdido, que costuma ser o mais interessante.
São os meus sonhos eróticos, meus os momentos de isolamento, são meus os devaneios, minhas as omissões. Os disfarces são meus, a boa mãe que sou em termos, a esposa perfeita que mais ou menos, a amiga leal que nem tanto. Não faço maldades, não prejudico ninguém, mas não me dou inteira.
(...)
Egoísta. Guardo para mim as palavras que não me atrevi a pronunciar, os planos descartados e os fetos de mim mesma que abortei. Poupei os outros do meu lado mais cruel e impactante, o meu lado mais insano e fascinante. Tenho tudo o que quis, tenho mais do que planejei, e mesmo assim – egoísta! – mal vejo a hora de recomeçar. Não sei se nasci para desempenhar o papel que me foi reservado. Tenho um bom currículo e alguns bens, mas o que é mais meu, minha maior propriedade, nunca foi declarada, minha loucura ninguém sabe onde mora, minha fé nem eu mesma sei onde se esconde.

“Divã”, de Martha Medeiros.

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