terça-feira, 13 de março de 2012

A imagem de Kundera

O refeitório era uma sala imensa cheia de mesas e de pessoas que almoçavam apertadas umas contra as outras. Jakub e Olga sentaram-se e esperaram muito até que uma garçonete lhes servisse a sopa em pratos fundos. (...) no meio das conversas à mesa, que Jakub pôde interrogar Olga sobre alguns detalhes práticos: estava ela satisfeita com a comida, satisfeita com o médico, satisfeita com o tratamento? Quando ele perguntou onde ela estava instalada ela respondeu que tinha uma vizinha detestável. Indicou, com um sinal de cabeça, uma mesa bem próxima onde Ruzena estava almoçando.
(...) Jakub disse, olhando para Ruzena:
– Existe em Hegel uma reflexão curiosa sobre o perfil grego, cuja beleza – segundo ele – vem do fato de que o nariz forma com a testa uma linha única, o que põe em evidência a metade superior da cabeça, sede da inteligência e do espírito. Ao olhar sua vizinha, constato que nela todo o rosto está, pelo contrário, concentrado na boca. Olha como ela mastiga com motivação e como fala alto ao mesmo tempo. Hegel ficaria inconsolável com essa importância dada à parte inferior, à parte animal do rosto e, no entanto, essa moça, que não sei por que me é antipática, é muito bonita.
– Você acha? – perguntou Olga, e sua voz revelava sua hostilidade.
Foi por isso que Jakub apressou-se em dizer:
– Em todo caso, eu teria medo de ser cortado em pedacinhos por essa boca de ruminante – e acrescentou: – Hegel ficaria satisfeito com você. A dominante do seu rosto é a testa, que revela a todo o mundo a sua inteligência.
– Raciocínios como esse me põem fora de mim – disse Olga, vivamente. – Tendem a demonstrar que a fisionomia de um ser humano é a marca de sua alma. É um absurdo total. Imagino minha alma com um queixo de velha e lábios sensuais, no entanto tenho o queixo pequeno e também uma boca pequena. Se eu nunca tivesse me visto no espelho e tivesse que descrever a minha aparência exterior segundo aquilo que conheço interiormente de mim, o retrato não se pareceria absolutamente com aquilo que você vê quando me olha!

“A Valsa dos Adeuses”, de Milan Kundera.

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