quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Puritanismo com libertinagem

"O medo grande me aprofundava toda. Voltada para dentro de mim, como um cego ausculta a própria atenção, pela primeira vez eu me sentia incumbida por um instinto. E estremeci de extremo gozo como se enfim eu tivesse atentado à grandeza de um instinto que era ruim, total e infinitamente doce - como se enfim eu experimentasse, e em mim mesma, uma grandeza maior do que eu. Eu me embriagava pela primeira vez de um ódio tão límpido como de uma fonte, eu me embriagava com o desejo, justificado ou não, de matar.
Toda uma vida de atenção - há quinze séculos eu não lutava, há quinze séculos eu não matava, há quinze séculos eu não morria - toda uma vida de atenção acuada reunia-se agora em mim e batia como um sino mudo cujas vibrações eu não precisava ouvir, eu as reconhecia. Como se pela primeira vez enfim eu estivesse ao nível da Natureza."
"A Paixão Segundo G. H.", Clarice Lispector.

Bem, começaremos assim. Começarei, porque eu falarei e você apenas escutará. Você pode concordar ou não com o que eu digo, pode entender ou não o que digo. Peço, por favor, que guarde para você tudo o que pensar. Não quero ouvir mais críticas, já tenho o suficiente delas.
Clarice. Acho que devo a ela uma certa gratidão. Ela tinha uma sensibilidade singular. Talvez fosse depressiva, sim, como um amigo me disse. Mas sempre achei que as pessoas sensíveis, como ela, sofrem demais. Ou que talvez a própria sensibilidade, a visão clara do mundo e da existência, seja fonte de sofrimento, de angústia. Muitos, como ela, padeceram.
Resolvi escrever algumas idéias, pensamentos, conflitos e reflexões na esperança de melhor “canalizar” isso tudo, uma tentativa, talvez, de tirar muita coisa da cabeça e deixar ela mais leve e tranqüila. Mas, como bem sabia Clarice, transformar a coisa em palavra diminui a coisa. De qualquer forma, eu tentarei, assim como ela tentou. Oh, não quero me igualar a ela, de forma alguma. Como já disse, eu só quero uma cabeça mais leve e tranqüila...
Eu sempre fui uma pessoa que pensa demais. A cada instante eu questiono as coisas, penso em mil fantasias, em mil hipóteses, situações, vidas, escolhas, tragédias, comédias, dores, amores, lágrimas, suor, sangue, vertigem, coração, platéia, medo, amor, sexo... E de uns tempos pra cá questiono os valores, as crenças, as histórias. Vejo que nada fica aqui por muito tempo, que o nada se prende a nada, que eu não sou nada.
Não, eu sou alguma coisa. Devo ser. Eu não existo simplesmente pra ser nada. Eu nunca encontrei um lugar pra chamar de minha casa. Há lugares acolhedores, sim, mas nenhum é minha casa. Da mesma forma que ainda não encontrei minha história, meu caminho. E diante dessa perdição, eu me desespero. Eu sou o nada que se tornará nada, que não será nem mesmo a poeira da poeira desse mundo velho. Eu morrerei e não deixarei uma história.
Talvez isso aqui, isso aqui mesmo, seja uma tentativa de deixar algo. É o medo da morte, talvez. Não, é o medo da morte vazia.
Desde que matei Deus, sinto que dei um pequeno, quase imperceptível, passo a algo parecido com a liberdade. Matar Deus foi algo que me ajudou a seguir adiante. Eu não tive escolha: ou Ele me matava, ou eu O matava. Hoje, eu sigo questionando tudo, e a angústia de ver que tudo é questionável me faz sentir que troquei Deus pela dúvida, e que os dois, Deus e dúvida, são igualmente terríveis, cruéis. Os dois são enigmáticos demais pra mim. Oh, talvez eu esteja ainda buscando a verdade, sim, é isso. Mas a verdade não existe. A verdade é uma invenção, foi criada por pessoas desesperadas como eu. O mundo é completamente caótico...

“O grande vazio em mim será o meu lugar de existir; minha pobreza extrema será uma grande vontade.”

É dessa forma que estou pensando agora. Talvez não pense assim amanhã. Escrever será uma forma de forçar a mim mesmo a não se esquecer disso. Eu penso na mesma velocidade que esqueço.
Algo deve ser feito. Algo precisa ser feito. Eu sinto isso. Estou andando a passos de tartaruga, mas estou. Estou.
Eu não falei nada. Ainda está aqui, aqui dentro, entalado. Vamos tentar na próxima vez. Haverá uma próxima vez?

“De agora em diante ficarei assim... desedificante.”
“Meu Vício Agora”, Kid Abelha.

Todos que leram esse texto vão para a puta que pariu.

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