sábado, 4 de dezembro de 2010

Confissões noturnas II


“I’ve been waiting... I’m still waiting...” “One step too far”, Dido & Faithless.

Ele puxou meu braço para me levar dali. Eu não queria ir, queria ficar ali, olhando para o outro, apenas olhando. Mas o que vi foi apenas suas costas se afastando de mim, como se ele não se importasse, como se minha ida não fizesse diferença. E não fazia.

“Seus amigos são muito enrolados.”

A noite mais uma vez me revela seus segredos gritantes, seus medos intensos, sua face grotesca. Mas não há o que temer senão nosso próprio medo. Não há o que temer senão a nós mesmos.

“Eu queria muito pegar aquela mulher.”

Ele acredita tanto nessa mentira que chega a ser engraçado. Não é engraçado. Isso dói, isso dói muito. Todos viram, todos sabem, até seus amigos. Todos falam dele, riem dele. Eu observo. Observo porque não sei o que fazer, não sei como agir, se é que devo agir. Durante longo tempo, ouço sua voz ao pé do meu ouvido, deliciando-me e ao mesmo tempo aturando suas mentiras, fingindo que não há nada de errado ali. Puro masoquismo. Mas já estou me cansando. Se você não se importa com o que eu sinto, pelo menos se importe com você mesmo. Esse seu cinismo, esse fingimento... Isso já está me irritando.

“Nós três fomos numa casa de swing. E vi um comendo o outro.”

Quando ele percebeu que havia algo errado, falou por mim. Não precisei confessar nada, ele foi esperto o suficiente para entender que eu não poderia continuar; aliás, eu não conseguia continuar.

“Tem boi na linha, não é?”

Estava tão bêbado que não lembro como cheguei à seguinte sentença:

“Tudo é uma mentira.”

Foi como uma sentença de morte. Forte o bastante para ele dizer qualquer coisa que me soou arrogante; ele foi embora, deixando-me ali, sozinho, na escuridão. Não havia ninguém. Durante a noite toda não havia ninguém.
Mas é melhor que as coisas sejam assim. Não sinta pena de mim, não sou um pobre coitado. Mas eu não mereço você.

“Aconteceu quando eu tinha nove anos.”

Eu coloquei a mão sobre a cicatriz. Era lisa e fria. Imaginei as outras cicatrizes, aquelas invisíveis para ele e evidentes para mim.
A bebida acabara e eu precisava de mais. Precisava falar com aquele professor bacana, precisava entrar em coma. Precisava agarrar alguém. Precisava morrer.

“Tô apaixonado por esse cara.”

Fiquei parado e ela não sabia se ria ou se abraçava. Era um daqueles momentos em que a música pára, o tempo pára, tudo pára. Sou um idiota. Deus, eu sou um idiota.

“Ele não veio porque estava com medo.”

Sei bem o que é esse medo. Olhe para toda essa gente. Veja quanto medo temos aqui.

“E então ele insinuou que queria se masturbar comigo.”

As verdades que só vêm à tona com a força da noite e do álcool. O desejo que flui, que atravessa as entrelinhas das palavras e do medo, que passa despercebido entre as pessoas, oculto pela escuridão da noite. O desejo que só alguns tocam. O desejo que é rejeitado, ridicularizado, debochado. Mas, acima de tudo, o desejo que é desejado.

“Obrigado, cara.”

Obrigado pelo quê? Foi um agradecimento estranho, profundo. Quando nos abraçamos, desejei intensamente que o tempo parasse mais uma vez. Preferi continuar ouvindo suas mentiras perto do ouvido do que vê-lo ir embora, de não ter tido a chance de...

“Você só se interessa por gente mal resolvida.”

Confesse. Por favor, confesse.

Um comentário: