sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Esboço de uma auto-análise

É a primeira vez que vivencio (ou pelo menos percebo) a experiência da contratransferência. Acontece com quem trabalha com bicho homem e bicho mulher. Mas o que me surpreendeu é o fato de como essa contratransferência ajudou-me a entender melhor a mim mesmo, a entender por que algumas coisas acontecem e outras não. Por que algumas coisas dão certo e outras não. E por que não consigo sentir-me pleno.

Monstro é muito triste. Monstro quer morrer. Quer ajuda e não quer. Já cheguei a ter que insistir, convencê-lo a voltar. Inicialmente, pensava que meu interesse e até pena por Monstro era por causa de seu quadro lamentável. Mas um acontecimento entre colegas, aparentemente sem nenhuma relação com Monstro, fez-me perceber o real motivo de minha quase fascinação por ele.

Há um medo, uma insegurança que me assola, que me devasta. Já fora muito pior, mas esse medo ainda vive, é parte de mim. Ele se manifesta em diferentes esferas da vida, em diferentes momentos, mas em geral é latente, orienta silenciosamente meus passos. Dou-me conta de seu controle muito tempo depois do estrago ter sido feito. Quando o medo fala, ou melhor, quando grita, é uma catástrofe. Eu impressiono, choco, destruo, levo-me até o cúmulo do ridículo, se for preciso. O medo precisa falar, mesmo que por via da coragem. E o medo se corporifica, ou já é corporificado. O medo está no espelho, por isso não olho tanto para ele. Eu sou Monstro, nesse sentido. O que me inquieta em Monstro é sua aparência deplorável, é algo que acredito de alguma forma estar em mim. É o feio, o bizarro, dismórfico, que faz-me gritar. Mas o gritar não é de medo, é de êxtase. E o êxtase não é de prazer, é de medo. O medo enquanto êxtase; o êxtase enquanto medo. O medo como resposta ao medo.

É uma sensação de inadequação que não sei explicar. É por isso que não dou passos fundamentais em minha vida... é por isso que não tenho confiança suficiente para arriscar... é o medo do monstro que há em minha face. Monstro pode ser muitas palavras.

E lembro-me do passado, quando me apaixonei. Lembro-me, com dor, das muitas oportunidades, dos momentos naquela presença tão desejada. Lembro-me dos sinais, tão gritantes agora, das muitas deixas, das muitas pistas que não percebi. Ele falou com todas as letras silenciosas o motivo de minha presença, mas o medo cegou-me. O medo incapacitou-me. O medo falou por mim todo o tempo que estive com ele. O medo, aliás, fala todo o tempo. O medo está falando agora, está dizendo o quanto sou...

Coloco as mãos sobre o rosto e choro.

Um comentário:

  1. eu venho, de alguma forma - e desde há algum tempo -, tentando delimitar uma ideia para mim mesmo. o de que o medo é uma substância (aristotelicamente falando), esparsa no universo e que ignora os limites da vida. ele brinca com as organizações do tempo, congela demônios, necrosa e endurece cascas. guimarães rosa diz que o tempo é a vida da morte; tomo humildemente emprestada a frase do mestre pra dizer que também o medo é a vida da morte, porque acho que não há algo que provoque uma ruína tão pungente, e suprima as possibilidades de vida de forma tão grave, quanto o medo. eu acho que estou muito metafísico. eu acho que descobri agora, numa noite de sábado, que o medo é o pai da metafísica. me identifiquei demais com o seu texto, passei por experiência semelhante, vivo angústia semelhante. obrigado pela coragem sincera em expôr você - e a todos nós - assim.

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