quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O homem da casa

Ao completar dezoito anos, ele começou a trabalhar. De carteira assinada. Assumiu uma responsabilidade quando se acreditava ser ele incapaz de saber o que é isso. É curioso como o trabalho, à primeira vista, transformara de modo súbito um menino em um homem. Ele passou a se comportar como um homem, a falar como um homem. Mais curiosa ainda é a reação da família; ao contrário, não houve reação e sim uma recepção calorosa e esperada ao novo homem da casa. Enfim, ele estava no caminho certo. Mas é provável que o trabalho não tenha sido o elemento causador dessa rompante transformação. Acredito que foi explicitado algo que estava latente, elaborado desde o nascimento dessa criatura.
É como um rito de passagem. Ele passou para outro estágio da vida e isso é motivo de orgulho. Percebo certa satisfação naquela atuação de homem, certo prazer em demonstrar força, independência, a ponto de sua atuação ser caricata. Na verdade, a maioria das pessoas não se dá conta de que ser homem e ser mulher é pura caricatura. É patético, tão patético que chega a irritar.
Mas ele não é um homem completo, ainda. Sua caricatura não está pronta. Para ser homem, ele precisa tirar sua carteira de motorista. O desejo de conquistar o lugar social do macho é tão insano que essa família ignora alguns pequenos grandes detalhes: 1) ele não tem um carro; 2) ele não tem uma garagem para o carro; 3) ele não tem dinheiro para comprar um carro; 4) para quê ele quer um carro? Para cumprir mais um papel masculino frente às mulheres e amigos?
É impressionante como ele não pode ser sem isso. Essa é sua existência, seu propósito de vida (mas nem por isso deixo de ridicularizá-lo). A carteira de motorista, entre tantos outros objetos, são-lhe inúteis, apenas servem para ‘comprovar’ sua masculinidade. São como símbolos de macheza.
Acredito que, no caso desse homem entre muitas aspas, há mais do que necessidade de provar que ele é homem: há uma necessidade de ocultar o fato de que ele não é homem. É alguém que, em seus plenos dezoito anos, consegue realizar a proeza de conservar a mentalidade de uma criança da idade de cinco, fazendo jus à tradição masculina de sua família. Como dizem por aí, “igualzinho ao pai”.

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