quinta-feira, 14 de junho de 2012

A flor de Orwell

Caminhava mais ou menos da direção de casa. Ergueu os olhos para os prédios pelos quais passava. Nem conhecia aquela rua. Casas antigas, feias e escuras, quase todas subdivididas em apartamentos minúsculos e quartos isolados. Terrenos cercados, tijolos enegrecidos pela fuligem, degraus caiados, cortinas sujas de renda. Cartazes anunciando “apartamentos” em metade das janelas, aspidistras em quase todas. Uma típica rua de classe média baixa. Mas não o tipo de rua que ele gostaria de ver arrasada por um bombardeio.
Perguntou-se como seriam as pessoas daquelas casas. Seriam, quem sabe, pequenos funcionários, vendedores de loja, caixeiros-viajantes, corretores de seguros, condutores de bonde. Será que sabiam que não passavam de marionetes prontas a dançar assim que o dinheiro puxasse os cordões? Pode apostar que não. E, se soubessem, que diferença faria? Estavam ocupados demais em nascer, casar, gerar filhos, trabalhar, morrer. Não devia ser má ideia, se você conseguisse, sentir-se como um deles, como mais um na multidão dos homens. Nossa civilização está fundada na cobiça e no medo, mas na vida dos homens comuns, o medo e a cobiça transmutam-se misteriosamente em algo mais nobre. Os membros da classe média baixa que ali viviam, por trás de suas cortinas de renda, com seus filhos, seus móveis descombinados e suas aspidistras – viviam de acordo com o código do dinheiro, claro, mas ainda assim conseguiam manter-se decentes. O código do dinheiro, da maneira como o interpretavam, não era só cínico e implacável. Eles tinham seus padrões, seus pontos de honra invioláveis. “Mantinham-se respeitáveis” – mantinham suas aspidistras hasteadas. Além disso, estavam vivos. Presos ao embrulho da vida. Geravam filhos, o que os santos e os salvadores de almas nunca têm a oportunidade de fazer.
A aspidistra é a árvore da vida, concluiu ele de repente.

“A Flor da Inglaterra”, de George Orwell.

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