segunda-feira, 8 de outubro de 2012

As metades de Aristófanes


Aqueles, porém, que são uma secção de homem ligam-se a homens e, enquanto são jovens, amam os homens e sentem grande prazer em deitar-se e serem abraçados por eles.
Há quem pretenda que eles não têm vergonha. Não é verdade: pois não é por impudência, mas por audácia, coragem e virilidade, que eles assim procedem, amando o que lhes é semelhante. E eis uma prova decisiva: quando atingem seu completo desenvolvimento, os jovens que possuem esta natureza são os únicos a se portarem como verdadeiros servidores do Estado. Quando, um pouco mais velhos, praticam a pederastia e não demonstram o mínimo desejo de contrair matrimônio e de ter filhos. Se casam, fazem-no unicamente para ceder à opinião pública, que a isso os obriga, pois para eles basta apenas viver com seus amados.
Um homem desta espécie, portanto, terá sempre de ser pederasta, e sempre enamorado da parte que lhe corresponde.
Tanto o pederasta como qualquer outro, quando encontram a sua metade correspondente, são transportados por uma onda de amor, de ternura e de simpatia; para tudo dizer numa palavra, não desejam estar separados nem um instante sequer. E são essas as pessoas que vivem juntas toda a vida, em conseguirem aliás explicar o que mutuamente esperam uma da outra; pois não parece ser o prazer dos sentidos a causa de tanto encanto em viver juntas. É evidente que a alma de cada uma deseja outra coisa que não conseguem dizer o que seja, que pressentem e às vezes exprimem de maneira misteriosa. Quando se encontram no leito uma ao lado da outra, se Hefaístos [deus dos ferreiros] então aparecesse com suas ferramentas e lhes perguntassem: -- “Que desejais, ó homens, um do outro?”, por certo nada saberiam dizer. Se Hefaístos perguntasse ainda: -- “Desejais, acaso, ficar no mesmo lugar, sempre juntos, inseparáveis, tanto de dia como de noite? Se quiserdes, derreter-vos-ei, e de dois fundirei um todo único. Agora, sois dois – depois sereis um único homem. Enquanto viverdes, sereis um só pela comunidade da vida; e quando morrerdes, também lá embaixo, no Hades, não deixareis de ser um em vez de dois e comum igualmente será a morte! Vede se é isso o que efetivamente desejais, e se, obtendo-o, sereis felizes?”
Ao ouvir tais palavras, não haverá um só, creio, que dissesse não, que desejasse outra coisa. Todos, ao contrário, teriam a impressão de que acabavam de ouvir precisamente aquilo por que ansiavam há tanto tempo! Ser unido e fundido no amado! Serem apenas um!
E a razão disso é que assim era nossa antiga natureza, pelo fato de havermos formado anteriormente um todo único. E o amor é o desejo e a ânsia dessa completação, dessa unidade.

Trecho do discurso de Aristófanes, em “Banquete”, de Platão.

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