Aqueles,
porém, que são uma secção de homem ligam-se a homens e, enquanto são jovens,
amam os homens e sentem grande prazer em deitar-se e serem abraçados por eles.
Há
quem pretenda que eles não têm vergonha. Não é verdade: pois não é por
impudência, mas por audácia, coragem e virilidade, que eles assim procedem,
amando o que lhes é semelhante. E eis uma prova decisiva: quando atingem seu
completo desenvolvimento, os jovens que possuem esta natureza são os únicos a
se portarem como verdadeiros servidores do Estado. Quando, um pouco mais
velhos, praticam a pederastia e não demonstram o mínimo desejo de contrair
matrimônio e de ter filhos. Se casam, fazem-no unicamente para ceder à opinião
pública, que a isso os obriga, pois para eles basta apenas viver com seus
amados.
Um
homem desta espécie, portanto, terá sempre de ser pederasta, e sempre enamorado
da parte que lhe corresponde.
Tanto
o pederasta como qualquer outro, quando encontram a sua metade correspondente,
são transportados por uma onda de amor, de ternura e de simpatia; para tudo
dizer numa palavra, não desejam estar separados nem um instante sequer. E são
essas as pessoas que vivem juntas toda a vida, em conseguirem aliás explicar o
que mutuamente esperam uma da outra; pois não parece ser o prazer dos sentidos
a causa de tanto encanto em viver juntas. É evidente que a alma de cada uma
deseja outra coisa que não conseguem dizer o que seja, que pressentem e às
vezes exprimem de maneira misteriosa. Quando se encontram no leito uma ao lado
da outra, se Hefaístos [deus dos
ferreiros] então aparecesse com suas ferramentas e lhes perguntassem: --
“Que desejais, ó homens, um do outro?”, por certo nada saberiam dizer. Se
Hefaístos perguntasse ainda: -- “Desejais, acaso, ficar no mesmo lugar, sempre
juntos, inseparáveis, tanto de dia como de noite? Se quiserdes,
derreter-vos-ei, e de dois fundirei um todo único. Agora, sois dois – depois
sereis um único homem. Enquanto viverdes, sereis um só pela comunidade da vida;
e quando morrerdes, também lá embaixo, no Hades, não deixareis de ser um em vez
de dois e comum igualmente será a morte! Vede se é isso o que efetivamente
desejais, e se, obtendo-o, sereis felizes?”
Ao
ouvir tais palavras, não haverá um só, creio, que dissesse não, que desejasse
outra coisa. Todos, ao contrário, teriam a impressão de que acabavam de ouvir
precisamente aquilo por que ansiavam há tanto tempo! Ser unido e fundido no
amado! Serem apenas um!
E
a razão disso é que assim era nossa antiga natureza, pelo fato de havermos
formado anteriormente um todo único. E o amor é o desejo e a ânsia dessa
completação, dessa unidade.
Trecho
do discurso de Aristófanes, em “Banquete”, de Platão.
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