sábado, 27 de outubro de 2012

O abraço de Proulx


A coisa de que Jack se lembrava e com que sonhava de uma forma que não conseguia evitar nem entender era a vez, naquele verão distante na Brokeback, em que Ennis chegara por trás e o puxara para junto dele, o braço mudo satisfazendo alguma fome compartilhada e assexuada.
Eles haviam ficado daquele jeito muito tempo diante do fogo, que ardia lançando reflexos vermelhos de luz, a sombra de corpos, uma coluna única na pedra. Ouvia-se o tique-taque dos minutos no relógio redondo no bolso de Ennis, dos gravetos virando carvão no fogo. Estrelas atravessavam as camadas de calor onduladas em cima do fogo. A respiração de Ennis saiu lenta e calma, ele gemeu, balançou um pouco no clarão e Jack encostou-se no palpitar regular do coração, as vibrações do gemido como uma eletricidade fraca, e, em pé, pegou um sono que não era sono mas outra coisa sonolenta e hipnótica até que Ennis, desencavado uma expressão enferrujada mas ainda conveniente de sua infância antes de perder a mãe, disse:
– Hora de ir para a cama, garoto. Já vou indo. Vamos, você está dormindo em pé feito um cavalo – e deu uma sacudida em Jack, um empurrão e foi-se embora na noite. Jack ouviu o barulho de suas esporas quando ele montou, as palavras “até amanhã”, e o bufar do cavalo, atrito do casco na pedra.
Mais tarde, aquele abraço sonolento consolidou-se em sua memória como o único momento de felicidade natural encantada em suas vidas separadas e difíceis. Nada estragava aquilo, nem mesmo o entendimento de que Ennis então não o abraçaria de frente porque não queria ver nem sentir que era Jack que tinha nos braços. E talvez, achava, nunca passassem muito daquilo. Que seja, que seja.

“O Segredo de Brokeback Mountain”, de Annie Proulx.

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