sábado, 29 de janeiro de 2011

Preconceito e culpa


Noite da Lapa. Parado naquela calçada, imagino as muitas histórias contadas ali. Vejo as cadeiras, as travestis sentadas, comendo e conversando. A mulher com sua barraca. A borracharia ao lado. Os taxistas. Nada disso existe mais. Travestis, novos malandros da Lapa, não estão mais ali. Do outro lado, o posto, que outrora presenciara a cena do bêbado abusado apanhando da travesti, que por um momento liberara o homem que havia dentro de si. A multidão bêbada e desvairada passa despercebida por aquela calçada, agora vazia, abandonada. Ninguém tem idéia das histórias que surgiram ali, ninguém poderia saber. Sorte que houve alguém para registrar. Que fascínio.
Mas o encanto do passado se quebra quando passa um grupo. Todos negros, sujos, mal vestidos, com aquele jeito habitual de andar nas ruas, aquela ginga, aquela malandragem. Instintivamente, coloco a mão no bolso de trás, onde estava a carteira. O mais velho percebe e diz “fica tranqüilo, irmão, ninguém vai te roubar aqui não, não precisa colocar a mão no bolso não...”. Como um gesto da mão era capaz de provocar um grande insulto... Eu, na minha hipocrisia, digo que ele entendeu errado. Mentira, ele entendeu certo.
E então a minha noite acaba quando vejo que faço aquilo que tanto denuncio, que tanto reprovo e que odeio. Não estou por fora, não estou à parte, estou dentro dessa massa hipócrita que caminha aos tropeços pela Mem de Sá. Metaforicamente, sou mais um desses descendentes de europeus, com seus rostos bonitinhos e suas roupas de grife, que ignoram calçadas de histórias e sangue de genocídio. Não conseguimos separar o preto do branco. Sim, a noite acaba.

3 comentários:

  1. Felizmente ainda vivemos em um mundo onde lugares como a Lapa ainda são possíveis. Esse mundo está com dias contados.

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  2. Segui teu conselho.=]

    http://deathecator.blogspot.com/

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  3. Talvez todos tenham um pouco de preconceito. Não preconceito consciente contra um grupo específico. Mas, um preconceito contra o novo, como forma de nos proteger. O que difere os verdadeiros preconceituosos das pessoas em geral é o tempo que se demora pra assimilar uma nova ideia.

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