sábado, 11 de junho de 2011

Espetáculo do vazio


“Somos todos DJs, apresentadores e animadores: ligue na FM e será envolvido por uma onda de músicas, de mensagens rápidas, de entrevistas, de confidências, de ‘discursos’ culturais, regionais, locais, de bairro, de escola, de grupos restritos. Democratização sem precedentes da palavra: todo mundo é incitado a ligar para a central telefônica, quer contar algo a partir de sua experiência íntima, ou pode se tornar um locutor e ser ouvido. Isso vale nesse caso como no dos grafites nas paredes de escolas ou no dos inúmeros grupos artísticos: quanto mais a gente se expressa, menos há o que dizer; quanto mais a subjetividade é solicitada, mais o efeito é anônimo e vazio. Esse paradoxo é reforçado também pelo fato de que ninguém, no fundo, está interessado nessa profusão de expressões, com uma exceção que deve ser levada em conta: o próprio emitente ou criador. Isto é, exatamente, o narcisismo, a expressão sem retoques, a prioridade do ato de comunicação sobre a natureza do comunicado, a indiferença em relação aos conteúdos, a assimilação lúdica do sentido, a comunicação sem finalidade e sem público, o remetente transformado em seu principal destinatário. Daí essa pletora de espetáculos, de exposições, de entrevistas, de proposições totalmente insignificantes para qualquer pessoa e que não levam em conta nem mesmo a ambiência; outra coisa está em jogo: a possibilidade e o desejo de se expressar qualquer que seja a natureza da ‘mensagem’, o direito e o prazer narcisista de se manifestar a respeito de nada, por si mesmo, mas retransmitido e amplificado por um meio de comunicação. Comunicar por comunicar, expressar-se sem qualquer outra finalidade a não ser expressar-se e ser ouvido por um micropúblico, o narcisismo revela, tanto aqui quanto em outros aspectos, a sua conivência com a ausência de substância pós-moderna, com a lógica do vazio.”

“A Era do Vazio”, de Gilles Lipovetsky.

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