sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Lamento em São Bernardo

De longe em longe, sento-me fadigado e escrevo uma linha. Digo em voz baixa:
-- Estraguei minha vida, estraguei-a estupidamente.
A agitação diminui.
-- Estraguei a minha vida estupidamente.
Penso em Madalena com insistência. Se fosse possível recomeçarmos... Para que enganar-me? Se fosse possível recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu. Não consigo modificar-me, é o que mais me aflige.
(...)
Para ser franco, declaro que esses infelizes não me inspiram simpatia. Lastimo a situação em que se acham, reconheço ter contribuído para isso mas não vou além. Estamos tão separados! A princípio estávamos juntos, mas esta desgraçada profissão nos distanciou.
Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. Os sentimentos e os propósitos esbarraram com a minha brutalidade e o meu egoísmo.
Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão ruins.
(...)
É horrível! Se aparecesse alguém... estão todos dormindo.
(...)
E eu vou ficar aqui, às escuras, até não sei que horas, até que, morto de fadiga, encoste a cabeça à mesa e descanse uns minutos.

“São Bernardo”, de Graciliano Ramos.

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