sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Macho e fêmea


“Quando você vê a foto, você já sabe: esse é o ativo e essa é a passiva.”
“Entendo o que você quer dizer, já passei por isso. Tive medo de ser enquadrado como o feminino da relação. E isso é uma babaquice.”
“Não precisava ter falado isso aqui, na frente deles, ninguém precisa saber. É algo nosso.”
“Até parece que ela vai querer alguma coisa com essa passiva aí, do lado dela.”
“Mas as coisas são assim, Rafael, você tem que aceitar.”
(falas aleatórias)

Algumas questões têm me interessado mais, me inquietado mais, como a questão do gênero, do que é masculino, do que é feminino.
“Como fugir da heteronormatividade se tudo que fazemos remete a ela?” Como e por que transgredir uma norma se a transgressão é uma referência e reiteração dessa mesma norma?
Presenciei algo interessante. E ao mesmo tempo triste. Dois amigos, que formam um casal gay, foram ao banheiro no momento que eu estava saindo. Um usou o mictório e outro preferiu a privacidade de usar o vaso sanitário, entrando na cabine. Embora todos finjam não perceber certas coisas, embora haja um silêncio coletivo e consentido em torno de certas questões, é fácil e ao mesmo tempo necessário (não sei por que) identificarmos o parceiro ativo e o passivo. Sempre categorizamos, embora nem sempre de modo acertado, o ‘macho’ e a ‘fêmea’ da relação. Aquele que usou o mictório provavelmente é o ‘macho’; afinal, o mictório foi feito para os ‘machos’. O que usou a cabine provavelmente é a ‘fêmea’. Mas o que me incomoda é o fato do ‘macho’ ter a liberdade de entrar no banheiro e escolher o mictório, enquanto que à ‘fêmea’ é reservado o espaço do sanitário, ao que parece, ou que a ‘fêmea’ não se sente à vontade de deixar seu pênis à vista. À vista do ‘macho’. Parece-me que a ‘fêmea’ não tem essa liberdade, aliás, essa indiferença, de mostrar, mesmo sem intenção, o órgão genital ao ‘macho’. E isso deve ocorrer tanto em relacionamentos hetero quanto homossexuais.
Isso me incomoda tanto... Por que agimos assim? Por que temos que pensar assim? Qual relacionamento não pode ser, de alguma forma e em algum grau, afetado por isso, influenciado por isso? E por que ser a ‘fêmea’ é encarado como algo indesejável, repulsivo? Essa lógica do macho e da fêmea pode ser a fonte de muitos problemas, conflitos, exclusões e injustiças nos relacionamentos? Por que sempre essa dualidade? Parece-me ridículo e estranho, mas ao mesmo tempo necessário e familiar.
Eu não entendo. E por não entender (menos ainda me entender) que eu continuo no meio dessa lógica, às voltas com ela. Como disse anteriormente, estou no limbo.

2 comentários:

  1. E eis que se reflete no universo homossexual alguns dos conceitos "tradicionais" e bitolados do meio hetero. Não entendem que a concepção da palavra "diversidade" pode ser estendida a muito mais do que se pensa...
    Parabens pela análise!

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  2. Meu terapeuta anda me falando de um livro que discute essa "femilização" do homossexual. Acho que é uma discussão antiga mas que, mais que nunca, é válida.

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