Pode ser
fantasia, papel leva tudo, diz o povo, mas das gentis novidades que os jornais
prometem por obra do novo prefeito do Rio, a que mais me entusiasma será a
volta dos bondes, imagina, o bondes. Nem acredito, a tanto não chegam as minhas
veleidades. Bonde circulando pela rua, a gente esperando no poste de listra
branca, escalando o alto estribo, instalando-se no velho banco de madeira,
abrindo o jornal e deixando o motorneiro correr, o vento nos banhando o
rosto... E o dito motorneiro badalando na sua campa delem-delém! e o condutor
tilintando os níqueis no nosso nariz distraído, faz favor! – e marcando as
passagens na caixa sonora do teto, e a gente puxando a sineta para descer e os
pingentes circunavegando os carros – não, não ouso acreditar. Bonde, o mais
civilizado veículo concebido pela técnica, bonde que não esquenta, não queima
óleo, não vomita fumaça, não buzina, não sai do caminho, não ultrapassa os
outros, não abalroa, não agride, não vira em canal, não despenca de viaduto, não
caça pedestre, não fura pneu, não quebra barra de direção, não dá tranco para
acomodar a carga humana, não depende de um motorista sofrendo de psicotécnica,
mas de um motorneiro pachorrento, bonde, ah, bonde, não sei o que diga em teu
louvor, já que, plagiando Manuel Bandeira, por mais que te louvemos nunca te
louvaremos bem!
“Os bondes”, crônica de Rachel de Queiroz, Rio de Janeiro, 07/04/1975.
“Os bondes”, crônica de Rachel de Queiroz, Rio de Janeiro, 07/04/1975.
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